Medicina à Prestações (25 de maio de 1956)

Não pudemos ler na íntegra o artigo. Apenas passamos uma vista d’olhos sôbre a reportagem, algo inédita, que o matutino paulistano publicou há poucos dias. E foi que nos inteiramos da questão.

Um médico de São Paulo, proprietário de um pequeno hospital, inventou de introduzir no ramo da medicina, uma inovação: facilitar aos necessitados, o pagamento em prestações, das despesas hospitalares.

O caso estourou como uma “bomba” dentro da própria classe dos esculápios: Alguns médicos acharam interessante a idéia; outros se sentiram ofendidos. Ninguém, no entanto, quis “se abrir”, quando o repórter, ávido de “furos”, principiou a entrevistar uma infinidade de doutores em medicina.

A entidade representativa, que é a Associação Paulista de Medicina, deu logo a nota: censurou o pretensioso introdutor do sistema de “crediário médico hospitalar” no Brasil. Um dos paredros da A. P. M., não teve papas na língua – desceu um palavrório de censuras ao médico que idealizou a questão. Terminou por dizer que a Associação iria se reunir e investigar o caso. O repórter (como todo bom repórter que se preza), tratou logo de ouvir o médico referido. Êste, por sua vez, foi franco – mais do que isso: foi desassombrado. Disse ser proprietário único do hospital; estar devidamente legalizado para o exercício da profissão; não receber subvenções particulares ou oficiais para nosocômio; não ter que dar satisfações à Associação Paulista de Medicina, de cuja entidade nem sócio é.

Não sabemos bem o que pensará a distinta classe médica a respeito. Mas entendemos que haverá duas correntes distintas. Aquêles que, como médicos, mantêm vivo o juramento de Hipócrates, que estão bem identificados com a miséria humana, conhecendo as dificuldades do povo brasileiro, sabendo de antemão, quão caríssimos são os medicamentos e os tratamentos hospitalares, por certo hão de convir que seja facilitado, àquelês que são pobres e vivem de ordenados fixos, pagar as despesas médico-hospitalares em prestações mensais. Aquêles outros, que, jamais fizeram da profissão nobre e honrada de médico um sacerdócio, mas sim, pelo contrário, um alto comércio, provavelmente serão contra a idéia.

O aludido facultativo, alegou ao repórter que nada existe nesse ato que diminua ou desprestigie a medicina ou a profissão de médico. Será apenas um sistema destinado a facilitar o tratamento a muita gente que não possui recursos adequados, para fazer face às despesas de tratamentos necessários e urgentes.

Nós entendemos ainda, que, tal proceder, virá dignificar mais a profissão dos médicos. Isso, porque sabemos que nos grandes centros, não existe “peito” em consultas médicas e nem operações. E nem amizades. E nem consideração. É pagamento adiantado. E absurdo, diga-se de passagem.

Aqui no interior, isso já não acontece. embora exista ainda um grande número de médicos que exerce a medicina como um autêntico comércio, há também os médicos que dedicam grande parte de suas atividades a servir o público. Consultas e operações gratuitas umas vezes; por preços ínfimos, outras.

O fato é que nós estamos com o médico. Isto é, se houver sinceridade nas suas declarações. E nas suas intenções. Se, de fato, êle pretende, conforme anunciou, favorecer os menores necessitados (como comumente acontece no interior), com as possibilidades de pagar as contas hospitalares em parcelas mensais, muito bem. Se, por outro lado, pretende arvorar-se numa filial da COFAP e estabelecer preços absurdos e abusivos, visando lucros, ditados ao seu bel prazer, então deve merecer o combate.

Por enquanto, convém experimentar o processo. Se se compra roupas e calcados, automóveis e outros objetos para pagar em prestações mensais, que mal em pagar também em pequenas parcelas uma dívida que se contrai por absolta e inadiável necessidade?

Extraído do Correio de Marília de 25 de maio de 1956

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