O Brasil, a Bolivia e o Petróleo (31 de julho de 1956)


O assunto – petroleo – até arrepia, quando se tem que escrever a respeito. Principalmente quando tudo o que se diz acerca do mesmo lembra logo o comunismo e suas campanhas. Acontece que não somos comunistas, derrotistas ou anti-patriotas. E também, a rigor, somos “meios” leigos na matéria.

Entendemos a questão da exploração do petróleo, como necessidade nacional, como uma riqueza tão poderosa como o café, o cacau ou a borracha – um índice verdadeiro de independência econômica da nação. Por isso, achamos que a exploração da maneira como é apregoada à larga, óra iniciada pela Petrobrás, está já com uma centena de anos de atrazo. Mesmo assim, não concordamos com a obrigatoriedade de proprietários de veículos serem compulsados a adquirir ações da empresa. É um ponto de vista nosso.

O assunto primordial desta nossa crônica de hoje, sobre o petróleo, “são outros quinhentos cruzeiros”.

O Sr. Hernan Silles Zuazo (foto), Presidente da República da Bolívia, declarou à imprensa brasileira, quando de sua passagem pelo Rio de Janeiro, que em seu país, nada menos do que 32 mil quilômetros quadrados de áreas petrolíferas, serão controladas pelo Brasil, para a exploração do ouro negro. Se, por um lado, nos envaidece o motivo, a confiança com que os bolivianos nos distinguem, a honra mesmo, por outro lado, nos dá com que iniciar alguns “tratos à bola”. Óra, se estamos ainda engatinhando nêste campo, se estamos provando, à sociedade, inúmeras deficiências acerca dêsse momentoso, palpitante e necessário assunto do próprio progresso do Brasil, como é que poderemos apresentar condições capazes de assumir e bem desenvolver um compromisso de tamanha monta? É o mesmo que um chefe de família que vive em dificuldade para sustentar a própria casa e que se propõe a arcar com a incumbência de sustentar um novo lar!

À primeira vista, as notícias tiveram uma repercussão estranha; só mais tarde, é que o “zé povinho” (como nós), começou a “maturar” sobre a questão. Desde 1938, existe tratado a respeito, entre os dois paises. Vejam bem os leitores: em 1938, o Brasil nem siquer “havia nascido” nessa questão de trabalho: de exploração de petróleo. Se bem que dependamos ainda hoje, em grande parte do capital estrangeiro, naquela época estavamos na dependência total. E já assumimos um compromisso dêsse porte! O fato, em si, é algo curioso. Nem sequer podemos proceder a exploração total do produto nacional por nossa conta, por falta de dinheiro, de técnicos especializados em número suficiente, de aparelhagem adequada etc., e, no entanto, vamos explorar o petróleo em outro país!

Dissemos acima, que tal fato representa um orgulho para os brasileiros. Isso não se discute. Mas se o negócio chegar a bom têrmo, na prática, vai apresentar uma faceta bastante curiosa: vai ser “gozado”, o Brasil explorando o petróleo na Bolívia, enquanto o seu sub-sólo, riquíssimo, está “dando sopa” e o brasileiro não dispõe de todos os meios para explora-lo e enriquecer a própria nação.

Não vejam os leitores nenhum sentimento anti-patriótico nestas assertivas. Pelo contrário, elas estão impregnadas de sentimento verde e amarelo!

Extraído do Correio de Marília de 31 de julho de 1956

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