Existe muita coisa errada (31 de agosto de 1956)

Com seu peculiar estilo de escrever bonito e objetivamente, o nosso colaborador, reverendo Alvaro Simões, abordou em sua crônica de ontem um fato doloroso, ocorrido em Marília. Refletindo sobre o escrito em apreço, a gente acaba por convencer-se de uma por todas, que o homem de nossos dias atingiu o zênite do egoísmo pessoal, em todos os sentidos. Ou é um fenômeno natural do gênero humano, ou é um mal da maioria dos brasileiros. O fato é que existe muita coisa errada. Por exemplo, toda gente grita contra as circunstâncias de hoje em dia do nosso sofrivel “modus vivendi”. Mesmo os que dispõem de meios suficientes para uma subsistência folgada e para adquirir a qualquer preço o que comer, costuma chorar. Regra geral, a gente grita, chora, esperneia, esbraveja, mesmo com a barriga cheia. E aqueles que desfrutam dessa situação privilegiada, pouco se importam que seus semelhantes morram de fome, pereçam de frio.

Enquanto uns se banqueteiam, outros mendigam um resto de comida para o alimento. Enquanto uns dormem em deliciosos colchões de mola, cobertos com grossos cobertores de lã de vicunha e carneiro, outros tiritam de frio. Enquanto uns vestem finíssimos costumes e calçam caríssimos sapatos, outros cobrem os desnutridos corpos com farrapos e usam (quando usam) calçados que queimam o pé quando pisam um tôco de cigarro aceso.

O mal é do brasileiro, dizem alguns. “O brasileiro é indolente por natureza, vagabundo, etc.” Tem que ser mesmo. Onde não existe uma condição social bem equilibrada, onde não existe um nivel intelectual acentuado, onde as “marmeladas” começam pelos mais elevados e representativos personagens, outra coisa não poderia ser esperada. O empregado reclama que o patrão paga pouco e explora seus serviços; êste queixa-se de que o empregado não corresponde, suga-lhe o ordenado, não produz, vive “cozinhando o galo”...

Dois fatores são responsáveis por esse estado de coisas. Primeiro, o baixo nivel intelectual de nosso povo, que, em sua maioria encontra-se em situações dificeis para bem interpretar e executar êsse espírito do princípio de cooperação humana e patriótica. Segundo, o egoísmo natural do ser humano, a “fome” pelo dinheiro, em menosprezo até aos mais comezinhos sentimentos de solidariedade humana.

Se existissem em maiores proporções essas duas qualidades, não seria necessário que todos fossem ricos, conforme poderá interpretar que assim pensemos, o leitor menos avisado. Unicamente, que se tal acontecesse, a vida poderia ser bem diversa; os pobres, mesmo pobres, poderiam ser mais felizes e os ricos, menos ricos, poderiam ser mais felizes tambem.

Extraído do Correio de Marília de 31 de agosto de 1956

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