Fato estarrecedor (21 de setembro de 1956)


Para muitos, pode ter passado como comum, o conteúdo da crônica de ontem estampada por esta folha, assinada pelo nosso colaborador revdo. Álvaro Simões (mostrado na imagem publicada pelo Correio de Marília em 1948). Pode mesmo ter-se perdido no trivial das coisas corriqueiras, maximé nestes dias, quando existe pouca vergonha e muita ganância por parte de inúmeros brasileiros indignos.

O fato, em si, é algo estarrecedor. Veio provar o espírito malévolo e egoístico de um cidadão, negando-se a vender um produto essencial à alimentação de pequeninos sêres, crianças infelizes que mal nascem já arcam com sua parcela de sacrifícios, inocentemente.

A pessoa que procedeu conforme denunciou ontem o revdo. Álvaro Simões, deve ter um pedra em lugar do coração e muitos cifrões em lugar da massa encefálica. Deve, sem dúvida, pensar mais no estômago e na conta do Banco do que na própria humanidade.

Não sabemos quem é, nem tampouco isso nos interessa. Estamos já habituados a manusear casos estarrecedores como o referido, onde o sentimento de humanidade, hoje em dia, cede lugar a interêsses condenáveis e contrários à própria economia popular.

Os jornais das capitais andam cansados de tanto denunciar fatos de igual jaez. O assunto, a respeito, quase passa a ser uma coisa natural na vida de nossos dias. Ainda há pouco, comentando sôbre um assunto de um colega de Sorocaba, o mesmo dizia da necessidade de promulgar-se a famosa lei de Capistramo de Abreu, obrigando todos os brasileiros a ter vergonha. De fato, além do espírito de humanidade, a questão já é de vergonha, de brios, de moral.

Ninguém pensa mais no próximo hoje em dia. Nem mesmo aquêles que podem e devem. Pensar em causa própria, é muito mais cômodo e muito mais lucrativo. O próximo que vá para o diabo. Nos dão os exemplos os “tubarões” desalmados, os monopolistas, os intermediários, êsses que enriquecem à custa da miséria do nacional.

Sabemos que nada adiantam os clamores da imprensa, que as denúncias em sua maioria das vezes perdem-se no deserto da pouca vergonha que impera, em grande escala, nesta terra de Santa Cruz. Mas aqui, fazemos como a mulher citada pelo humorista Vão Gogo: ela sabia o que a aguardava indo visitar o “gostosão” em seu apartamento; sabia, mas ia. Nós, por nosso lado, sabemos que nada adiantarão nossas queixas, nossas denúncias; sabemos, mas continuaremos gritando. Quem sabe se um dia as coisas mudam...

Extraído do Correio de Marília de 21 de setembro de 1956

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