Voluntariado Para a Coréia (28 de fevereiro de 1953)


José Padilla Bravos
(2º Srgt. Res. Da F.E.B.)

Inúmeras pessôas têm-me pedido a opinião, sobre a remessa de tropas brasileiras para a Coreia, constituindo um novo Corpo Expedicionário Brasileiro, que, deveria lutar ao lado das tropas das Nações Unidas.

É um assunto deveras difícil de ser analisado, maximé por pessôa isenta de responsabilidade ou autoridade para abordá-lo; no entanto, como nos ufanamos de usufruir um clima de democracia, onde se vê expressa nas Constituições que nos regem, a inteira liberdade de pensamento, aqui delinearei, a respeito, o que me é dado pensar sobre o palpitante caso.

O assunto, em si só, deverá ser dividido, para fins de estudos, em duas fases distintas: Primeiro, a legalidade desse voluntariado, que não existe. Sabemos que assunto de tal jaez é da alçada exclusiva do sr. Presidente da República, e, que, oficialmente, não foi firmado diploma legal que instituísse, até o momento, o já conhecido “voluntariado”. O que existe, isso sim, é uma precipitação de acontecimentos, oriunda, já se vê, do espírito de patriotismo ou de sensacionalismo, dado à luz pela imprensa das capitais bandeirante e carioca.

Mesmo existindo um tratado militar aliado, como existe, em que, por suas diversas cláusulas, está o nosso País no dever de contribuir com tropas militares para as Nações Unidas, a abertura de um voluntariado, ou de decreto de u’a mobilização geral e mesmo a constituição de tal corpo expedicionário, são de competencia do mais alto magistrado da Nação. Pela precipitação existente, pela correria já conhecida e afluencia de voluntarios candidatos, afirmo ser contrário a tal movimento.

A segunda fase da questão é inquestionavelmente mais complexa e delicada. Infelizmente, não me é dado conhecer, como sóe poderia ser, os termos do tratado militar referido; mas não será preciso puxar muito pelo raciocinio e bom senso, para concluir que todos os paises do continente ocidental são membros das Nações Unidas, e, que, de todos eles, somente a Bolívia forneceu um pequenino contingente de soldados para a Coreia; “ipso-facto”, os deveres e obrigações de todos os paises filiados à O. N. U. são idênticos e da mesma plana de responsabilidade.

A tropa da Bolivia, enviada à Coreia, composta de 1.200 homens, em que me pese o desagrado de afirmar isto, acredito não haver completado siquer uma parte de seu desiderato, pois, é notorio que o estado geral de tecnica militar e adextramento especializado vigente naquele Exercito, está muito aquem das exigencias de uma guerra moderna. Poderei afirmar isso, com conhecimento de causa, pois, o Exercito Brasileiro, que, pela modificação de sistema e uso de armas modernas introduzidas em seus serviços, chega quase a equiparar-se, hoje, ao Exercito de Tio Sam. Pois bem: a Força Expedicionaria Brasileira, passando por um periodo de preparação especial, inclusive exercicios com balas reais, um treinamento especializado e ininterrupto de educação fisica e tatica moderna, com permanente contacto e uso das armas mais recentes, teve que passar por um outro periodo de instruções pré-combate na Italia. E, mau grado à vontade de nossos superiores militares, responsaveis pela constituição da F. E. B., em grande parte – isso é doloroso confessar – causamos verdadeiros transtornos ao Alto Comando Norte-Americano, tal o estado de saúde, dos dentes especialmente, apresentado pela grande maioria dos expedicionarios.

Podemos, facilmente, aquilatar o que de fato produziu e o que realmente deverá ter feito o pequeno contingente boliviano na Coréia.

Os nossos poderes constituidos, têm, de sobra, experiência. A formação da F. E. B. e a sua remessa ao exterior, mercê do espirito combativo de nossos soldados, que não deslustraram o nome de nosso Exercito, constituiram, sem duvida alguma, um capitulo de experiência impar a nossa historia militar. O selecionamento de pessoal especializado e devidamente adextrado, é coisa que demanda tempo, não facilmente analisavel. Não poderiamos incorrer no erro já cometido, e, se isso, acontecesse, reincidenciariamos.

Como bom brasileiro e como patriota que sou – fui voluntario para a F. E. B. – só me caberia a obrigação de apoiar tal remessa de tropas, porém dentro dos termos legais e após cumpridas as exigencias e formalidades superficialmente aludidas. E, para isso, teriamos que esperar ainda muito tempo.

Existe outro lado da questão, que, a titulo de curiosidade, desejo esplanar aqui. É o excesso de patriotismo, oriundo do entusiasmo proprio da idade moça. Muitos desses jovens que se apresentaram como “voluntarios” o fizeram, apenas inflamados pelo patriotismo adquirido em bancos escolares e através do manuseio de paginas da historia do Brasil. Na realidade, poucos desses moços sabem o que de fato representa uma guerra armada, uma guerra moderna. Eu, de sã consciencia e sem a minima covardia, declaro que não me apresentarei como “voluntario” para a Coréia. E o faço convicto, porque já ganhei experiencia uma vez, já tive oportunidade de saber o que é realmente uma guerra, louvo aos céus e a Deus por haver regressado, se bem que sem a saúde de outrora. Porém, como a maioria do povo brasileiro, espalhou e acreditou que os ex-“pracinhas” da F. E. B., haviam ido à Italia para passear e para ficar ricos, é possivel que essa mesma maioria pense o mesmo no caso do “voluntariado” da Coréia, inclusive os que agora se apresentam apressadamente.

Extraído do Correio de Marília de 28 de fevereiro de 1953

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