Corresponderá a construção de Brasília? (30 de julho de 1957)

Para o leitor menos avisado, poderá parecer antipatriotismo de nossa parte a utilização de um epígrafe como o que escolhemos para a nossa crônica dêste espaço diário. Pelo contrário, tal vem a representar uma grande preocupação pelas coisas de nossa terra e de nossa gente.

Data de muito, a preocupação de antigos govêrnos do Brasil, em mudar para o centro do país, a nossa capital. A “marcha para o oeste”, preconizada pelo então presidente Getúlio Vargas, jamais passou de alguns trechos de discursos dirigidos aos brasileiros por ocasião de passagens do Dia do Trabalho.

O atual govêrno do Brasil, entendeu de operar a mudança da Capital Federal, num abrir e fechar de olhos. A idéia, conforme dissemos em outra ocasião, é louvável e essa mudança poderá mesmo significar uma completa metamorfose no desenvolvimento do país, que apresenta hoje mais de duas terças partes do território, praticamente alheias ao progresso de nossos dias. O que não está correspondendo, é o processo pelo qual se está objetivando tal mudança. Não conhecemos, repetimos, a nova Capital. Beseamo-nos apenas no que temos lido e ouvido a respeito, por um lado; na lógica que representa desparalelo, em relação ao vulto do empreendimento e ao espaço-tempo com que o mesmo está sendo providenciado.

Conversamos ontem, com um cidadão que chegara de Brasília. O conceito emitido por nós, através desta coluna, há pouco tempo, foi confirmado: Brasília está sendo um foco de inflação nacional, um amontoado de casas de madeira, perdido no centro da nação, com meios de transportes deficientíssimos e escassos meios de subsistência. Por outro lado, objeto de exploração de alguns “sabidos” sôbre u’a minoria bem intencionada e algumas vezes aventureira.

Um campo de aviação rudimentar, é praticamente, quase o único que representa progresso. A região, vastíssima, quase nada produz, uma vez que é diminuta a agricultura, sendo procedente de longinquos pontos os gêneros necessários ao consumo público. A cidade, pelo que nos informou a pessoa com a qual conversamos, existe apenas um traçado oficial. As construções são caríssimas, uma vez que até a madeira procede de São Paulo e Paraná; até a areia! Acrescente-se ainda, o “disque-disque” corrente de que nem todos os funcionários da Fundação Brasília têm o mesmo sentido de patriotismo e compenetração, constando que alguns dispõem de meios para enriquecer de maneira pouco recomendável.

Achamos um erro, o querer se mudar a Capital Federal dum dia para outro; embora sejamos leigos nessa questão, sabemos, por observação própria, que mesmo um loteamento urbano aqui no interior, exige, antes de ser posto à venda, uma série de providências atinentes ao progresso e conforto. Em Brasília, nada disso é feito. Antes de mais nada, apenas elaborado o traçado de cunho oficial, principiaram a surgir algumas casas de taboa, que, ao cont(á)rio de bem traduzir a vida de uma capital, representará, pelo contrário, um verdadeiro contraste. Alguem poderá pensar que sejamos apologistas de uma cidade suntuosa, mirabolante; nada disso. Apenas, pensamos, deveremos ter a Capital Federal, simplesmente condigna.

Araçatuba e São José do Rio Preto, progressistas cidades de nossa hinterlandia, dão exuberante exemplo a esse respeito: dois novos loteamentos surgidos nessas cidades, tiveram suas ruas asfaltadas, iluminadas, ligadas as rede de água e esgoto, antes de terem seus lotes colocados à venda.

Em igual tempo, temos a certeza, o progresso desses mencionados loteamentos poderá ultrapassar aquilo que seria de esperar de Brasília.

Extraído do Correio de Marília de 30 de julho de 1957

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