O doente e o doutor (6 de setembro de 1957)

O Presidente da República, como médico que é, entendeu de curar a encefalite daquilo que éra de mudar-se a Capital do Brasil. Prescreveu o medicamento e fez a sua imediata aplicação. Esqueceu-se entretanto, que “dar tempo ao tempo” tambem é remédio. Não esperou a reação do paciente, não teve muita calma para aguardar o tempo necessário à irradiação da droga e a observação da mesma pelo organismo, para que o doente pudesse apresentar melhorias gradativas. Superlotou o doente de anti-bióticos, excedeu-se na aplicação de anti-tóxicos. Por outro lado, abusou da ministração de alcalóides. O doente principiou a esboçar uma reação. Reação natural, temporária, com muita glicose, terramicina, cálcio, extrato de fígado, cânfora e algumas pitadas de coramina.

Aparentemente o doente está reanimando-se dia a dia. Tudo faz crer que se reerguerá em definitivo. A junta médica que se reuniu para acompanhar o caso, não póde dar palpites. O sr. Juscelino é o cirurgião-chefe da referida junta e sua opinião prevalece. Alguns facultativos déssa junto já perceberam que o doutor está cometendo alguns erros. Erros graves. O facultativo está lançando mão de todos os recursos possíveis. A família do doente está ficando mais doente do que ele próprio. Seus recursos financeiros estão na lona. O médico não vê isso. Obcecou-se, praticamente. Estão sendo gastos 10 milhões de cruzeiros por dia. Acontece que a família já está duvidando se éssa fabulosa importância é toda aplicada em drogas e medicamentos. Os familiares estão até propensos a pensar que já existe muita gente comendo na mesma marmita – farmaceuticos, enfermeiros, etc. Toda a gente, todos empregados do hospital. Até visitas.

O médico, no entanto, prossegue na caminhada. Talvês não tenha éssas intenções, mas o resultado, invariavelmente, será êste: poderá curar o doente, mas estinguir com os resultados de toda a família.

Muita gente, amiga da família, acompanhando de fóra o andamento dos fatos, não conhecendo bem a realidade das coisas, está tendo ótima impressão do doutor. O homem, para éssa gente, está sendo um despreendido, um abnegado, um colosso. Essa gente não se deu ao trabalho de analisar a aflição e as finanças da f(a)mília. Está com suas vistas voltadas para a saude do aludido paciente, acompanhando seus “progressos” vertiginosos!

O processo não é muito recomendável. O médico está mostrando inépcia e obscuridade profissional. Concentrou-se na idéia de tal maneira, que pouco se lhe dá se a família do doente vá ou não para o buraco. Ele pretende “levantar” o paciente, mesmo à custa do impossível. Se conseguir isto, mesmo que a família fique na miséria (como já está, apesar das grandes propriedades que possui, infelizmente mal administradas), terá assegurado um mito futuro – o mito de saber curar. Isso, ao que parece, é apenas o que interessa ao aludido facultativo. O résto é potóca, pensará, por certo, sua excelência.

Póbre doente e desgraçada família!

Extraído do Correio de Marília de 6 de setembro de 1957

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