“Gatos” e “ratas” (29 de outubro de 1957)

Todo aquele que dirige ou milita num órgão de imprensa, está sujeito a passar, de vez em quando, suas dores de cabeça, em consequência de erros cometidos em seus trabalhos ou no periódico dirigido.

Se “errar é humano”, conforme reza antigo brocardo, não poderiam os jornalistas, especialmente os interioranos, arcar com o crucifixamento pretendido por muitos, que, alheios aos trabalhos jornalísticos, exergam nos chamados “gatos” de imprensa, motivos de condenação, de “gozações” e até de escárnio, em determinadas ocasiões.

Isto nos ocorreu agora, quando recebemos pelo correio, num envelope, ao lado de um bilhete anônimo, um recorte de um jornal interiorano, eivado de erros tipográficos, todos assinalados à carmin. O missivista, que por sinal deve ser leitor désta coluna, demonstrou suas intenções de que viessemos à público “descascar” o colega pela série de descuidos cometidos e rigorosamente selecionados e assinalados. Referiu-se às “ratas” do jornal. Entre “gatos” e “ratas” existe enorme diferença, pelo menos para nós que tarimbamos na imprensa cabocla. Subentendemos os “gatos” como erros meramente tipográficos (composição errada, lapsos de revisão, tróca de linhas, “pastel”, títulos trocados, etc.). Já a “rata” é tida como o erro propriamente dito, do ponto de vista e fórma como o autor de um trabalho exprimiu seu pensamento. Portanto, existe grande diferença, tipograficamente falando, entre “gatos” e “ratas”.

Os “gatos” são comuns. Jornais dos grandes centros, modernos e bem aparelhados técnica e financeiramente, com pessoal especializado, não escapam tambem à apresentação de alguns “gatos”. Os jornais do interior, no entanto, são mais sujeitos à éssa contingência, em virtude de que nem sempre dispõem de meios para remunerar capacitados revisores com tempo integral de serviço. Porisso, embora haja a necessidade e o interesse de qualquer jornal, por mais humilde que seja, em manter uma boa impressão e cuidadosa revisão, sempre se verificam os casos referidos. Aqueles que trabalham na imprensa, sabem perfeitamente que tais anomalias apresentam o paradoxismo de serem consideradas normais. Os que de um ou outro módo travam contacto com uma redação, igualmente podem perceber êsse fato.

Porisso, ao leitor que nos remeteu o recorte aludido, afiançamos que não poderiamos jamais censurar e apontar as falhas do recorte que nos foi remetido, embora, sensatamente, reconheçamos que além dos fenômenos e condições por nós referidas, esteja se verificando no órgão fiscalizado, um descuido bastante acentuado.

São coisas que acontecem, entretanto. São “óssos do ofício”.

Por exemplo, poderiamos citar um “gato” enorme que cometemos no passado. Ao noticiarmos o nascimento de um mariliense, dissemos, ao lado da indefectivel “chapinha” de “foi enriquecido o lar, etc., etc.,”, o compositor “cochilou” e o revisor “comeu” uma palavra desconhecida para nós, que caiu em lugar de “pimpolho”. Quando o jornal circulou, quasi nos “massacraram” através do telefone. A palavra referida, de conformidade com o dicionário de Candido Figueiredo, significava mais ou menos “um monstro com gigantescas asas e que emitia faíscas elétricas”.

Êsse fato passou-se em 1945 e o autor da nota foi o mesmo désta coluna. Nem o compositor e nem o revisor trabalham conosco hoje em dia. Mas o fato aconteceu. Desculpamo-nos confessando toda a verdade e exibindo o original da nota. Mas nem assim escapamos da alteada descompostura e da perda de um assinante.

Pensamos, agora: Como nos sentiriamos na ocasião, se um órgão tirasse proveito do fato e viesse a público “gozar” o gigantesco “gato” referido? Aí está porque não nos convém aquiescer aos desejos do leitor anônimo referido.

Em todo o caso, o assunto nos serviu de idéia para escrever alguma coisa e dotar êste espaço, cujo compromisso temos que levar avante...

Extraído do Correio de Marília de 29 de outubro de 1957

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