Mortos & Vivos (2 de novembro de 1957)

Em nosso artigo de ontem, focalizamos a importância e o significado do dia de hoje – Dia de Finados –, sob o aspecto social e cristão. Dispendemos fracas considerações em torno do transcurso dêste dia dedicado à memória dos Mortos.

O dever de solidariedade cristã, a ninguém deve passar desapercebido. A elevação de uma prece de saudade, em intenção daquêles que foram entes queridos e que hoje repousam sob a terra dos Campos Santos, é dever geral, mesmo para os mais materialistas que possam existir sôbre a face do globo.

O Dia dos Mortos é um dia de respeito, de solidariedade cristã, de preces e meditações. De visita aos túmulos de pessoas queridas e saudosas.

Se tocamos no assunto do respeito aos mortos, oportuno é que falemos nesta oportunidade, alguma coisa acerca daquêles que consideramos mortos-vivos e que são os ex-combatentes da F. E. B.. Não vamos referir-nos aos mortos de Pistóia, mas sim aos “pracinhas” vivos, que hoje se encontram salpicados pelos mais diversos quadrantes do Brasil, em sua maioria desajustados socialmente, neuróticos, reumáticos e enfermos moral e fisicamente.

Estão vivos em sua maioria, mas só vivos aparentemente. Moralmente estão mortos, mercê do descaso de nossos govêrnos, que jamais souberam dispensar-lhes a devida consideração e o necessário readaptamento social e humano, embora tivéssemos nós, exemplos exuberantes dos Estados Unidos, França e Inglaterra.

Existem no Brasil, diversas dezenas de leis e decretos de amparo aos ex-combatentes da F. E. B.. Só no papel. Sem aplicação, regra geral.

O ex-“pracinha” que bate às portas dos govêrnos, é quase sempre recebido com evasivas e desculpas das mais variadas, sem merecer as atenções que lhe deveriam ser tributadas, não só como dever moral, mas tambem como solidariedade patriótica. Desgraçados daqueles que não tiveram um moral mais forte e uma consciência mais acurada, para tratarem-se convinientemente, trabalhar e exercerem, sobre sí próprios, um auto-dominio digno de ser apreciado, retendo em seu fôro mais íntimo, uma convulsão de injustiças e descasos. Esses ainda trabalham, vivem; os outros vegetam , são mortos-vivos, são um exemplo de vergonha para nossas tradições democráticas e sociais.

Os “pracinhas” de hoje, principalmente aqueles que acudiram o apêlo da Pátria e se apresentaram voluntariamente para lutar em defesa dos princípios da Democracia e Liberdade, se não dizem, estão certos de que preferiam arcar com a pecha de covardes ao nome mal empregado e mal reconhecido de “herois”. Muitos tem até vergonha de serem brasileiros e apresentam um mutismo cercado dos mais indesvendável mistério, acerca de suas próprias ações em combate, quando deveriam ter orgulho de comentar feitos heróicos do teatro da guerra.

A Pátria, que nos ensinaram ser Mãe, para os “pracinhas” até aquí tem sido Madrasta!

Neste Dia de Finados, quando todos os corações se amolecem pelas circunstâncias e tradição cristã dos fatos, bom seria que os senhores homens dos govêrnos, pensassem tambem um pouquinho siquer nesses mortos-vivos que são os ex-combatentes da F.E.B., êsses herois anônimos que continuam cada vez mais anônimos, cada vez mais abandonados e cada vez mais desgraçados.

Que apenas se cumprisse a bagagem legislativa existente no país, com respeito ao amparo aos ex-combatentes da F.E.B..

Ou então, que se lavrasse um decreto, com um único artigo, no qual constasse: “As Leis e Decretos de amparo os ex-combatentes são Leis mesmo e como tais, devem ser cumpridas.”

Extraído do Correio de Marília de 2 de novembro de 1957

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