“Mens sana in corpore sano” (28 de janeiro de 1958)

Uma leitora procurou-nos outro dia, para queixar-se do desinteresse geral manifestado em nossa cidade, pelas moças estudantes, no setor desportivo local.

Disse-nos éssa pessoa, que Marília, presentemente, nesse campo do desporto feminino (basquete, volei e natação), está aquem das mais pessimistas previsões, não representando siquer sombra daquilo que foi no passado. E, amarguradamente, atribuiu o fato ao meio-ambiente, uma espécie de ignorância e desconhecimento das verdadeiras finalidades do esporte amador, tão necessário à formação física e arejamento intelectual da mulher moderna.

Tem razão éssa leitora. O fenômeno, entretanto, é complexo, aparentemente. Enquanto em todos os paises do mundo mais se acentua o gosto e o interesse feminino pelo esporte, de modo geral, a evolução nêsse terreno, no Brasil, vai diminuindo. Poder-se-ia dizer que as atribulações de nossa vida hodierna, onde a maioria dos estudantes trabalha, contribui com a escassês de tempo para tal anomalia. Entretanto, seria uma argumentação inaceitável, uma vez que na Europa de hoje, onde vários países sofrem ainda as consequências do período de reorganização de após guerra, o índice desportivo feminino aumentou de maneira palpável. Até o Japão e a China, onde a tradição conservadora de caráter milenar imperava e se arrastava seguidamente, em cujas ações só os homens se destacavam, estando as mulheres cingidas exclusivamente aos deveres caseiros, as mulheres de hoje se destacam no campo desportivo.

Aquí no Brasil, principalmente no interior, a perpetuação desse fenômeno, deve, em parte, motivos à ignorância e às vêzes, à maldade dos próprios homens. Não ha muito, costumava-se censurar u’a moça que vestisse um calção e adentrasse uma quadra pública de tenis ou basquete. Não faltavam línguas ferinas, para atribuir à citada desportista, insinuações de que a mesma “desejava mostrar as pernas”; muitas vezes, as insinuações chegavam a eivar-se de pejorativismos.

Em consequência, tanto as moças como os próprios pais, começaram a evitar – muitas vozes contra vontade ou princípios –, a propagação do esporte feminino.

O erro, portanto, deve-se à outra parte das gentes – àquela que não pratica o desporto e que vê nessa ação o que em realidade não existe. Esta é a parte ignorante, prejudicial.

De fato, é mistér acabar-se com esse pensamento, a fim de facilidade possibilidades e liberdade às moças que tem o gosto pelo esporte condigno com o sexo. Nada existe de vergonhoso nu’a moça praticar basquete, volei ou natação.

Dizia-nos ainda nossa leitora, das dificuldades que deparam os departamentos esportivos dos diversos estabelecimentos educacionais da cidade, para arregimentar o número suficiente de moças para a formação de um “team”. E isto, dentre de centenas de jovens. Outras vezes – segundo nossa informante –, quando um valor está convenientemente preparado e correspondente (às vezes significando estrela de primeira grandeza no quadro), afasta-se dos compromissos, pelo simples fato de que tendo arrumado um namoradinho, este impõe, lógo de início, a proibição de que a moça continui a jogar. Casos como o citado, repetem-se à miude e deixam em palpos de aranha os treinadores, o quadro, o nome esportivo da Escola, muitas vezes refletindo inclusive nas esferas desportivas amadoras da cidade.

Assim, atribuiu a nossa leitora o fato dos últimos insucessos desportivos do setor feminino mariliense e a pouca expressão atual desse campo.

É preciso que todos comprendam que o esporte feminino é necessidade e que o esporte sadio, honesto, bem intencionado, como é o mariliense, deve ser estimulado, prestigiado e não combatido indiretamente, como está acontecendo.

O lema “mens sana in corpore sano” não está sendo bem defendido em Marília.

Extraído do Correio de Marília de 28 de janeiro de 1958

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