Imaginação do passado, realidade do presente (21 de fevereiro de 1958)

Há algumas décadas passadas, a leitura de Júlio Verne era encarada como cética, irreal, maníaca. Os que manuseavam, no pretérito, as obras do famoso escritor, faziam-no descrédulos, mais a título de curiosidade. Quase ninguém estaria em condições de dar crédito às “fantasias” de Verne.

As leituras empolgavam, como continuam empolgando ainda hoje. Sòmente que agora, da comparação das idéias e imaginações emitidas no pretérito e das realidades do presente, pode-se concluir que o mestre tinha carradas de razões. Incríveis razões.

Existem fatos inexplicáveis dentro do sentido eminentemente psicológico de propulsão das idéias. Por volta de 1930 e pouco, uma firma norte-americana de revistas em quadrinhos, editava um volume dêsse tipo de leitura intitulado “O quadrante amarelo”.

Lemos, em criança, o referido volume. Na ocasião, o enredo se nos parecia empolgante, invulgar, inédito. A sua narrativa dava conta de um país atacando parte de um território estranho e em consequência, a eclosão de uma guerra de proporções universais. O desenrolar da beligerância descrevia as peripécias e as artimanhas próprias de uma guerra moderna, cientifica, diferente da I Grande Guerra Mundial de 14-18.

Engenhos bélicos inexistentes, invenções e armas das mais incríveis, eram pormenorizados na sequência dos quadrinhos ilustrados, com as explicações de suas finalidade e poderes.

Passou-se o tempo e mais tarde, por coincidência, o ataque japonês a “Pearl Habour” processou-se nos moldes aproximados da própria história do “Quadrante Amarelo”. A participação do país oriental na II Guerra Mundial, formando o fatídico “eixo” Japão-Alemanha-Itália, parece ter-se baseado, em suas consequências funestas, no escrito de fértil imaginação do autor (ou autores) da referida revistinha.

É fácil deduzir-se que a questão no caso prendeu-se à coincidência propriamente dita, pois se se tratasse de previsões técnico-militares, por certo jamais teriam as mesmas sido divulgadas. Ademais, na ocasião, desfrutavam entre si, Estados Unidos, Inglaterra e Japão – os três “pivots” da última guerra que envolveu meio mundo –, as mais sólidas relações gerais. Quer dizer, foi alguma coisa de profética tal revelação, que, em seu sentido mais intrínseco, nada mais objetivava – com tôda a certeza –, do que um comércio puro e simples.

Também, logo no início da divulgação do cinema sonoro, os chamados filmes seriados, que tanto gosto e atenções despertaramm entre apreciadores da sétima arte, revelaram em diversas histórias incríveis e só viáveis em imaginação, o início da própria televisão.

Na época, embora estudassem os cientistas da eletrônica as possibilidades dêsse notável advento, temos a convicção de que jamais imaginaram a sua perfeição atual. No entanto, um filme que vimos em nossa época de “calças curtas”, mostravam um aparelho milagroso em que os “bandidos” se comunicavam entre si, através de imagens refletidas em quadros. Era a televisão atual, cognominada no enredo da película, como o “espelho mágico”.

Muitas outras coisas, idéias no sentido diverso no passado, inspiraram a efetivação de coisas que representam progresso cientifico do presente. Por exemplo, na história do “Quadrante Amarelo”, vários tipos de armas citadas naquelas páginas, tornaram-se realidade parente na última guerra. E não de início, mas sim já quase no fim. Uma delas foi a “bazooka”. Outra, o “very light”. O próprio avião a jato, coisa que só se aperfeiçoou há poucos anos, fora descrito como inventado pelos povos do “Quadrante Amarelo”.

Coincidência? Não sabemos. O que temos a impressão é que a idéia fixa, psicologicamente falando, pode muito bem dar margem a realidade do quase impossível quer seja absurdo, quer seja plausível.

Conta-nos a história popular, que por volta do fim do século passado, foi o povo do velho mundo alarmado com a revelação de que não muito distante daquela época, “carros sem bois e sem cavalos” andavam sozinhos e outros voariam transportando gente. Os “carros sem bois e sem cavalos” transformaram-se nos veículos motorizados e nos aviões.

É fato ainda – revela a própria História –, quase todas as descobertas do mundo moderno, foram conseguidas por simples coincidências ou obras do acaso. Constam dos próprios fatos, a descoberta ou aperfeiçoamento de certas invenções atuais, como surgidas quando se tentava outra coisa mais ou menos idêntica.

Assim, quiçá por coincidência, talvez por acompanhamento de uma idéia pretérita, o certo é que muitas das maravilhosas invenções de nossos dias, foram, de uma outra maneira, reveladas ou insinuadas no passado. A imaginação do pretérito tornou-se assim, a realidade do presente.

Extraído do Correio de Marília de 21 de fevereiro de 1958

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