Seleção nacional de “foot ball” (18 de abril de 1958)

“Mens sana in corpore sano” – lema latino citado e invocado como o paradigma de nosso desporto, em suas diversas modalidades.

Realmente, o esporte é necessário ao corpo, como o pão é indispensável ao organismo e a oração imprescindível à alma.

Sucede, porém, que entre nós e mesmo entre a maioria dos países “civilizados”, o futebol profissional deixou de lado o sentido intrínsico da desportividade, para tornar-se um comércio dos mais vergonhosos, regra geral. Uma alavanca indiscutível de safadezas e mesmo de inflação.

No Brasil, um bom “cartaz” de futebol ganha mais do que possa ganhar (honestamente) o próprio Presidente da República ou um Ministro de Estado. Mais do que um diplomata, detentor de curso universitário e concluinte do dificil “Curso Rio Branco”.

Ser ou não analfabeto ou semi, não importa. O que é necessário, no Brasil, é que se saiba jogar futebol. Inda, se o futebol em si, enquadrasse irrepreensivelmente os princípios da honestidade esportiva em todos os sentidos, vá lá. Hoje, futebol profissional, de modo geral, é sinônimo de manobras, compras de árbitros, brigas, “sarrafadas”, etc. e tal.

Não somos, em absoluto, contra o esporte. Principalmente o futebol. Mormente nós, que há mais de uma década, dedicamos bons momentos de nossa vida profissional a acompanhar o referido esporte.

Somos contrários – e não temos pejo em afirmá-lo –, isso sim, contra uma fileira interminável de coisas erradas e que denigrem a prática sadia dêsse esporte sensacional.

Já afirmamos, repetidas vezes, que, de futebol e política, só entendemos a sua parte verdadeira e não suas manobras escusas.

Ninguém ignora ou contradiz o que estamos afirmando, porque não estamos desvendando nenhum segrêdo, nem descobrindo nenhum “Ovo de Colombo”.

Ocorreu-nos essa idéia, ao acompanharmos os motivos da concentração do selecionado nacional de futebol, que, dentro em breve, representará o profissionalismo do Brasil na Suécia.

Vejam os leitores o contraste flagrante: Enquanto os nordestinos passam fome, fogem desolados, chegando mesmo ao dese(s)pero de assaltar prefeituras e cadeias públicas, em busca de água para beber, um contingente de desportistas vive principescamente no melhor hotel de Poços de Caldas. Comendo perús, uvas, peras, maças e pratos especiais de alimentação pré-estabelecida (e da melhor, imaginável). Visitando museus de arte, participando de recepções “very karr” – conforme diria o cobotinismo dos cronistas sociais mais famosos do Brasil.

Treinar, que é bom, “necas”. Depois de mais de uma semana, foi marcado para o dia de hoje, o primeiro ensaio coletivo da seleção.

Exames dentários dos mais rigorosos – enquanto no Brasil, o problema dos dentes é uma calamidade, a ponto de os “pracinhas” da última guerra mundial, terem causado a mais péssima impressão às autoridades médicas do Exército Norte-Americano, pelo deplorável estado da saúde dental.

Operações de amídalas – a chamada “operação granfina” –, foram praticadas em penca.

Até a inveja, a política, entrou em cena; até apetites pessoais e a propaganda comercial – dispendiosa muitas vezes.

Não é que o Prefeito de Araxá está “se mordendo” todo, pelo fato do selecionado ter preferido Póços, à Araxá? Tanto assim que fez um convite simpatico (?) à delegação brasileira de futeból: ir para aquela cidade, hospedando-se no melhor hotel araxaense, sem quaisquer despezas – a Prefeitura pagará tudo.

Seria o caso de perguntar-se ao prefeito de Araxá, que está disposto a custear essas volumosas despezas da estada dos jogadores, quando ele próprio ou a Prefeitura que dirige, já consignaram para auxiliar os nordestinos, a campanha de combate ao cancer, a luta contra o analfabetismo e muitas outras.

Os jogadores brasileiros convocados para a seleção nacional, parecem mais turistas milionários do que elementos de esporte, segundo revelam os cronistas especializados que acompanham a delegação(.)

Se depois das disputas do campeonato mundial, o Brasil “fizer feito”, quais serão as desculpas? Desde já estamos tentando encontrá-las, para no caso da repetição dos “fiascos” passados. Só que agora teremos um consôlo: os “craques” foram escolhidos com tempo, estiveram no Palace Hotel de Póços de Caldas, andaram confortavelmente vestidos e alimentados, bem escanhoados etc.

Ou será que o Brasil terá ainda a “chance” de ser “vice” mais uma vez?

Não cremos, sinceramente.

Extraído do Correio de Marília de 18 de abril de 1958

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