“Craques” & “pracinhas” (16 de julho de 1958)

Voltamos ao assunto. Tornamos, porque temos o direito de comentar o fato e porque de nossas dissertações acêrca da questão óra em foco, se não surgirem quaisquer efeitos que venham colocar, no devido lugar do reconhecimento oficial, alguns milhares de ex-combatentes da FEB, pelo menos, muitos brasileiros tomarão ciência dos descasos com que os heróis brasileiros da II Grande Guerra Mundial foram tratados.

Dirigimo-nos hoje à certa parte do comércio brasileiro. Para delinear uma diferença flagrante no espírito de gratidão de muita gente para com os “pracinhas”. E afirmamos que estamos em condições de fazer prova de tudo aquilo que temos escrito, que estamos escrevendo ou que viermos ainda a comentar com referência ao descaso e as injustiças para com os “pracinhas”. Esta observação é necessária, porque em absoluto pretendemos oferecer qualquer margem a interpretações errôneas ou malévolas.

Centenas de firmas de nosso comércio e indústria, homenagearam os craques nacional da “Taça Jules Rimet”. Ofereçam aos mesmos, rádios, televisores, geladeiras, enceradeiras, móveis, dinheiro, etc.. Ninguém tem nada com isso, porque os que assim procederam fizeram-no espontaneamente e doaram aquilo que lhes pertenciam. Não somos contrário a essas homenagens. Absolutamente. Mas não podemos furtar-nos ao ensejo de dizer que tal não aconteceu com os “pracinhas” e que com êstes a situação foi diferente. Muitos comerciantes do Rio e de São Paulo, “assaltaram” os ex-combatentes logo após a sua chegada ao Brasil. Tôdas as vezes que os ex-combatentes precisaram adquirir qualquer objeto, o preço dêste foi alterado “na hora”, muitas vezes em mais de 500%! Na Rua Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, registrou a polícia carioca na ocasião, alguns desentendimentos e mesmo brigas de ex-combatentes com comerciantes desonestos, pelo fato citado. A maioria das alfaiatarias militares do Rio e de São Paulo, de acordo com as observações do autor destas linhas e de informações obtidas na ocasião, suspenderam os preços de suas mercadorias pretendidas pelos ex-“pracinhas”, de modo o mais acintoso imaginável, de maneira verdadeiramente desumana.

A idéia fixa na ocasião era que os “pracinhas” foram “passear na Itália e ficar ricos”! Que o govêrno “dera muito dinheiro aos ex-combatentes”!

Santa ingenuidade! Onde se viu o Govêrno “dar dinheiro” à soldados?

O que houve aí, fazemos questão de explicar, é o seguinte, com referência ao “fundo de previdência” que variava entre 13 e 17 mil cruzeiros e que os “pracinhas” receberam: Dos soldos estipulados para os combatentes durante o período de permanência fora do país, procederam as autoridades competentes, uma tríplice divisão: uma parte, equivalente aos vencimentos atuais do militar, era paga à família do mesmo; outra, entregue ao combatente, na Itália, e, a terceira, depositada no Banco do Brasil, constituindo o “fundo de previdência”. Êsse foi o “dinheiro que o govêrno doou” aos ex-combatentes! Perceberam, que não existiu nenhum favor do próprio govêrno e que o “fundo de previdência” nada mais foi do que uma parte dos vencimentos legais, que por força das circunstâncias foi economizada. O autor destas linhas era um simples cabo na ocasião do embarque para a Itália. Seus vencimentos eram de 342 cruzeiros mensais (fora os descontos). Tal importância era paga a seus familiares aqui em Marília. Na Itália recebíamos 500 liras, quantia que poderia ser considerada na ocasião, aproximadamente 500 cruzeiros (baseando-se o preço fixo do dolar a 20 cruzeiros na ocasião e a lira a cerca de 20 centavos). O “fundo de previdência” correspondente à terceira parte (a maior delas), recebido pelo autor destas linhas, foi de 13 mil e poucos cruzeiros. Só num tratamento de recuperação neurótica gastamos em São Paulo, num instituto médico especializado, mais do que isso.

Quer dizer, o govêrno não fez nenhum favor aos “pracinhas” nêsse particular. Apenas foi fiel no pagamento dos soldos regulamentares!

Estão sendo processados verdadeiros excessos no tocante aos privilégios oficiais aos ex-combatentes. E tais excessos constituem flagrantes injustiças e iniqüidade de tratamento e consideração aos ex-combatentes.

Frizamos que não somos contrários as homenagens tributadas aos craques nacionais de futeból. Jamais poderiamos ignorar, desconhecer ou permanecer indiferentes aos seus feitos. E sabemos que estes não tem culpa alguma de terem recebido tantas manifestações, como, igualmente, tambem não tem culpa os “pracinhas”, por terem sido alvo de tanta indiferença, tanto escárnio governamental, tanto esquecimento de alguns brasileiros.

Só uma coisa os “pracinhas” sentem e fazem questão de perguntar ao govêrno: Onde (está) o maior heroismo: no campo de batalha ou no campo de futeból?

Extraído do Correio de Marília de 16 de julho de 1958

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)