Só dando com um gato morto... (31 de outubro de 1958)

Aborda-nos um cidadão ilustre de Marília. Depois dos cumprimentos, alguns “confetis” e palavras diversas, acaba por passar-nos uma “big” descompostura, deixando-nos a matutar sôbre suas palavras algo voluntariosas e pelo modo como defendeu um ponto de vista contrário daquilo que entendemos.

Censurou-nos êsse amigo, pelo fato de termos manifestado, em escritos anteriores, nosso ponto de vista de que o atual Presidente da República não está fazendo o govêrno que dêle esperávamos (como esperam milhares outros de brasileiros).

Sucede, porém, que discordamos da idéia de nosso leitor e amigo, discordância essa que mais se solidificou, quando solicitamos ao mesmo que nos expuzesse as razões pelas quais classifica o sr. Kubitschek como um bom govêrno. Perguntamos ainda se era a questão “Brasília” que o consagraria e quais as providências de fato e de direito palpável que poderiam ser apontadas como corroboração do dito. Não ficamos convencidos com a argumentação de nosso interlocutor, porque todas as suas palavras foram argüidas sôbre areia, sem nenhuma firmeza palpável.

Continuamos ainda, até que alguém nos prove em contrário, a ser conosco o pensamento de que o sr. Juscelino Kubitschek apresenta o pior govêrno da República, desde que o Brasil se incluiu nessa condição política.

Continuamos ainda a responsabilizar o atual Presidente, pelo cáos econômico e moral em que nos encontramos, pelos descontrôles e desgovêrnos que nos dominam.

Nada temos para elogiar o sr. JK porque nada de positivo e real, que correspondesse aos anseios do povo, vimos até agora. O homem prometeu fazer o Brasil progredir 50 em 5 anos, com tamanho descaramento, que, na ocasião, quase acreditamos. E o certo é que o país progrediu mesmo; apenas que um progresso abjeto, indesejável: progrediu no aumento do custo de vida, na senvergonhice, no setor inflacionário, no descontrôle das coisas; progrediu, enfim, exatamente naqueles campos que se não poderia progredir, deveria, pelo menos, estagnar.

A gente brasileira, hoje, encontra-se à mercê de uma situação intolerável, à margem de um precipício econômico sem precedentes na história; o viver, para a classe pobre, é um sacrifício incrível; alimentação, calçados, medicamentos, tudo, tudo enfim, são cotados da maneira que melhor consultem interêsses pessoais ou de grupos, em detrimento flagrante às necessidades da própria população, porque a própria indústria se encontra sem amparo e sem freios e o comércio, como consequência do parque manufatureiro, vê-se na contingência de ondular seus preços, mais do que o revolto Pacífico em dia de tempestade. Ninguém controla nada e dos costados do povo brasileiro continuam a sair tiras e mais tiras de couro, um couro anêmico, fraco, frágil.

Não venham, pelo amor de Deus, a pensar que somos mais brasileiros, ou revoltados. Apenas estamos relatando uma coisa que não é novidade para ninguém, que é por todos sabida: o atual Presidente da República, nesse particular, foi e está sendo a mais completa decepção que poderíamos esperar.

O homem não para no Catete. O homem vôa muito e como tal, deve forçosamente viver nas nuvens. Seus auxiliares diretos, aqueles que têm sobre os ombros, grande parcela de responsabilidade para com a nação e o povo em geral, parece que acompanham também o “dolce far niente” do cirurgião mineiro que, em má hora, ascendeu à magistratura máxima do país.

E, como “quando não está o gato folga o rato”, a situação justifica-se perfeitamente.

Discordamos de nosso amigo, repetimos. Igualmente discordamos dos que entendem ser o sr. Juscelino um bom govêrno. E discordaremos até a ocasião em que encontremos uma pessoa que nos prove o contrário, fazendo-nos compreender que estávamos errados e que de fato o homem é o tal.

Qual! Só dando com um gato morto...

Extraído do Correio de Marília de 31 de outubro de 1958

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