Mundo de mentiras (22 de novembro de 1958)

Desde pequenos, todos ouvimos a mesma cantilena de fundo sinceramente doutrinário, de que “é feio mentir”. Nas aulas de catecismo, nos ensinaram também que “é pecado mentir”. Mais tarde, no Exército, incutiram-nos na “massa cinzenta” de que “o homem não mente”. E assim por diante.

Não foi preciso chegar à idade que temos, para perceber que todos fazem exatamente o contrário. Todos mentem, só que alguns mais descaradamente do que os outros.

O combate à mentira é um fato e deve ser velhinho. A mentira deve ser mais antiga ainda, pois originou êsse mesmo combate.

A criança mente quando faz uma travessura ou quando come um doce escondido, ou ainda, quando pratica uma peraltagem. Mente quando não estuda e mente quando “gazeteia” as aulas. Seja homem, seja mulher; o ser humano só não mente enquanto não fala e não raciocina.

Todos mentem.

O namorado mente à namorada e esta mente mais ainda ao candidato a sua mão – mão que traz um corpo para vestir, para tratar e uma boca para comer.

O dentista mente dizendo que “não vai doer nada”. O barbeiro mente, dizendo, com um sorriso todo especial, que “não vai demorar”. O negociante mente, dizendo que “é o preço de custo”.

Mente o corretor, dizendo-nos que é um “bom negócio”. Mente o motorista, quando diz que a “corrida” a 50 cruzeiros, mesmo que seja num percurso de três quarteirões, “dá prejuízo”. O açougueiro mente, quando nos diz que pescoço de vaca é filé “mignon”. Mente o médico, quando o paciente já está com as malas prontas “para embarcar”, dizendo que “não é nada”. Mente o gerente do cinema, afixando o cartaz de “um filme”. Mente o time de futebol, formado à base de “medalhões” e que se deixa “golear” por um time pequeno. Mentem o Hélio Gracie e o Waldemar Santana em suas “lutas livres”.

Os jornais mentem, as rádios mentem. Anunciam remédios miraculosos, que não passam de simples preparados inofensivos. Mentem as mulheres quando declaram a idade. Mentem os menores quando os cinemas exibem filmes “impróprios”.

Até para os pastores protestantes e para os padres os que se religiosos mentem. Mentem os “cardápios” dos hotéis chamando de “dourada” à mais comum e vulgar das abóboras.

Mentem as fábricas de “whisky escocês” e de “casimira englesa”. Mentem os manufaturadores de “cachaça pura”, oferecendo ao público u’a mistura de água, álcool, pimenta do reino e fumo de corda. Até o nosso pacato lavrador mente hoje. Já vende cachorro por cabrito, já aquece e “amadurece” a banana em estufa.

Todos mentem. Mas os políticos mentem mais!

E como sabem mentir!

Até o Presidente da República mente no Brasil. Disse que o país progrediria 50 em 5 anos. E o disse com tanta habilidade, com uma teatral sinceridade que quasí todo mundo acreditou.

“O sabonete “X” é usado pela artista tal”. “O jogador Beltrano comprou um terno na loja do João”. “A esposa do coronél Dito usa somente sapatos da Casa Sfolla”. E outras bobagens mais, que vão por aí afóra. Tudo mentira, mentira deslavada.

Remédios para calos, drogas para fígado, preparados para nascer o cabelo, para engordar, para emagrecer, para depilar, etc.

Até para “remoçar” as fórmas plásticas da mulher, inclusive “fazendo desaparecer” os “plissês” do rosto de quem é feia naturalmente e pretende ser bonita artificialmente!

Os políticos, quase todos, como dizíamos, são os que mentem mais. Mentem nas leis, mentem nos discursos, sentações, mentem nas promessas de empregos, mentem em tudo. São artistas para mentir. “Dona” Ivete prometeu-nos as Casas Populares, nu’a mentira descolorida e depois de levar os marilienses “no bico” durante quatro anos, ainda vem aqui e encontra mais de mil trouxas para votar nela! “Seu” Lucianinho, que nunca fez nada por Marília, arquiteta um projeto de lei de um tal de pontilhão e acaba arrancando centenas de votos de centenas de trouxas!

Qual! Isto é mesmo um mundo de mentiras!

Extraído do Correio de Marília de 22 de novembro de 1958

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