Motivo que dá tratos à bolas (18 de dezembro de 1958)

Escrevemos ontem (17/8/1958), sôbre a questão do congelamento dos preços, óra preconizada pelo sr. Presidente da República. Finalizamos nosso artiguete, citando um dito humorístico de um jornalista colega, que, a julgar pelas medidas propaladas, os grandes comerciantes, teriam mesmo, em face ao congelamento, que “se conformar com um lucro de 300% e nem um tostão a mais”.

De início, poderia tal afirmativa parecer uma exageração sem precedentes, ou confu(n)dir-se simplesmente com uma ironia à uma classe. Entretanto, se analisarmos um único fato (dos muitos que existem), constataremos que, no fundo, a sátira em apreço tem lá a sua razão de ser.

O afirmar-se que, com o congelamento dos preços, os lucros seriam fatalmente reduzidos a apenas 300% para alguns comerciantes, poderá encontrar alguma ressonância dentro do cabível, se atentarmos para um particular que se verifica à miude, não só em Marília, como também em Niterói, na Conchinchina e mesmo na Gomarábica. É a questão das “grandes baixas” e “formidáveis liquidações” (“liquidações” que precisam ser liquidadas)!

Vê-se constantemente, no comércio atual, especialmente no chamado “moderno”, o fato de um artigo que vinha sendo vendido por um preço “x” e que, em uma ocasião posterior, é remarcado para o preço “y”, isto é, com uma baixa, assim “de cara”, de até 50%!

Exemplificando: O comerciante Balduino vende um produto, durante o ano todo (e já há anos), pelo preco de Cr$ 2.998,00 (o que significa 3 mil cruzeiros). Um dia, assim sem mais nem menos, êsse mesmo produto, sem mudar de posição ou de vitrina, surge com um pomposo cartaz onde se lê: “De Cr$ 2.998,00 por Cr$ 2.049,00”.

Óra, não é preciso ser-se muito inteligente, para deduzir logo, que a citada mercadoria, “baixada” para Cr$ 2.049,00, está oferecendo ao comerciante a natural margem de lucros. E, se por Cr$ 2.049,00 já dá a compensação desejada, porque nenhum comerciante trabalha mesmo de graça (uma vez que nenhum comerciante é relógio), não é difícil concluir, que o lucro seria extraordinário, quando vendida a mesma mercadoria ao preço anterior. Quer dizer, que, por exemplo, a mercadoria vendida depois de “remarcada” por Cr$ 2.049,00, estará dando, no mínimo, 550 a 600 cruzeiros de lucro, correspondendo aos 30% (será que todos se conformam com essa “insignificante” margem?); deduz-se então, facilmente, que antes do “remarque”, o lucro cogitado seria de 160 a 185%, sem outra apelação.

Não é um motivo que dá tratos à bola? Não é um fato que faz com que o consumidor desconfie de certas “baixas de preços” que campeiam por aí afóra, em todos os rincões do país?

Isso até nos faz lembrar a anedota seguinte:

O caixeiro de uma casa de roupas e artigos para homens, explicou ao gerente que as gravatas (“italianas”, fabricadas em São Caetano), pelo preço de Cr$ 90,00 não estavam “saindo”, porque todos os clientes achavam-nas demasiado caras. Foi então que o gerente, velha “raposa” no comércio paulistano, sem se agastar e sem muito pensar, assim instruiu o banconista:

- Ponha essas gravatas na “vitrine de liquidação”, com a seguinte legenda: “De 210 por 115 cruzeiros”. Verá como não sobra uma!

Extraído do Correio de Marília de 18 de dezembro de 1958

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