Remodelação de valores (2 de dezembro de 1958)

Com vistas à formação da próxima Câmara de Vereadores e com o objetivo de encontrar-se um categórico substituto para o atual Prefeito Municipal, toma vulto na cidade o chamado movimento de renovação de valores.

Do povo, atingiu até os partidos políticos. Pelo que vimos e pelo que conseguimos entender, em rápidos colóquios com altos dirigentes da política local, a idéia contaminou a todos em geral. Hoje em dia, só se fala e só se pensa em aplicar uma vassourada (com licença do sr. Jânio Quadros), nos velhos políticos da cidade, para substituir o número por elementos chamados novos (em idade e em política).

Está aí uma coisa que embora tenha as suas vantagens, não deixará também de apresentar inconveniências, que o bom senso manda analisar e atentar. Se fato é que temos entre nós antigos políticos, hoje carcomidos pelos anos e cujas idéias nem sempre se amoldam aos pensamentos dos novos, ingrato será o desmerecer assim, tão flagrantemente, aqueles que já souberam emprestar um pouco de seu labor e de sua vida pública, à Marília e seu povo. Muitos dêsses homens, se não conseguiram atingir o objetivo colimado, pelo menos, acreditamos, alimentaram ideais são e lícitos, em beneficio de nosso próprio povo. Principalmente, tendo-se em conta que todos os políticos “velhos”, aqui residem há anos, e, melhor do que a gente “nova”, conhecem os problemas gerais.

A nova geração, por sí só, não poderá de uma hora para outra, assumir a Prefeitura e a Câmara, desprezando os conselhos e as experiências dos “velhos”, a menos que aconteça um milagre. Ademais, pelas auscultações que conseguimos captar, os novos políticos que “entrarão na dança”, desta vez, nada mais serão do que discípulos e empregados (o têrmo é rude, mas é real) dos antigos políticos; em resumo, mudar-se-á apenas a fachada do estabelecimento, cujo interior continuará o mesmo.

Então, que não se engane o povo e que não se enganem os próprios políticos – tantos os “velhos” como os “novos”.

Remodelação de valores, conforme está proclamada e divulgada faustosamente, não pode ter meio têrmo; ou é remodelação ou é apenas um enxerto exterior, uma ostentação, de mentira, porque serão apresentados ao público, como nova mercadoria na prateleira de uma casa comercial, apenas nomes que obedecerão diretrizes, normas e ações traçadas pelos partidos e ditadas pelos “velhos” políticos de nossa terra.

E nem poderia ser de outra forma; pelo menos para nós, que não costumamos dormir “com os olhos dos outros”.

Claro está que a adição do chamado “sangue novo” numa legenda partidária sempre causa revoluções, sempre modifica a questão. Isto, entretanto, é quase impraticável. Vimos mesmo na legislatura que expirará no próximo ano (e aqui mesmo em Marília), que o chamado “sangue novo” foi um impecilho à rota política de algumas legendas e que “casos” sem conta foram criados dentro de u’a mesma facção política.

Por aí poderá ver-se que estamos falando com base. E vamos mais adiante ainda, dizendo que os novos dos “novos” óra focalizados pelos dirigentes políticos, obedeceram, regra geral, sugestões e indicações dos “velhos”.

O livro será o mesmo, apenas a encadernação é que variará.

Só creremos na propalada remodelação, no dia em que os “velhos” políticos estiverem, em definitivo, “fóra do páreo” e fóra das direções políticas da cidade. Isso não sucederá, temos a certeza. E se acontecesse, as consequências teriam possibilidades mínimas de êxito total.

Nós somos pela remodelação de valores; mas não do jeito que se está processando e tende a continuar. Não que sejamos contra os “velhos”, porque sempre admiramos e respeitamos a sua experiência, com exceção quando descambam para a politicagem e a caturrice; mas não acreditamos e não temos muita certeza de que se a remodelação se desse como deveria ser, pudesse disso advir o resultado esperado.

De qualquer maneira, o certo será dizer-se que em Marília se cogita e se trabalha pela “inclusão” de “gente nova” na política local, mas nunca dizer-se que se trata de remodelação de valores, porque isso é embuste. Pelo menos, assim pensamos, a menos que consigam provar-mos o contrário.

Extraído do Correio de Marília de 2 de dezembro de 1958

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