“DÁ O MEU BONÉ” (27 de janeiro de 1959)

Não pensem os que não nos conhecem, que somos aversos ao esporte, maximé ao futebol. Gostamos do pé de bola e, quando crianças, não fugimos à regra integralizada pela legião de garotos, que principia chutando bolas de meia, depois de borracha e termina com as pelotas de “capotão” nas várzeas ou arrabaldes da cidade.

Quando as pequenas qualidades amadoristas tiveram que ceder lugar ao “dependuramento de chuteiras”, continuamos ainda coesos ao lado dêsse esporte, trabalhando pela divulgação e difusão do mesmo, como cronistas.

E isso fazemos há muitos e muitos anos, com a mesma satisfação inicial.

Dentro de nossas condições de críticos esportivos, jamais nos deixamos levar pela paixão, nem mesmo quando esta transbordava da consciência da maioria e arrastava em seu caudal imenso, opiniões desencontradas até dos mais céticos.

Censuramos quando foi preciso e elogiamos quando se fez mistér, porque essa é a verdadeira função do comentarista de esportes, que deve apresentar como identidade, antes de mais nada, os atos marcados pela independência e neutralidade de apreciação dos fatos.

Insurgimo-nos com respeito aos excessos, inclusive de cunho oficial, que foram dispendidos (outros prometidos, tão sòmente) aos campeões mundiais de futebol. Condenamos o endeusamento desnecessário e desmedido, sem jamais termos deixado de louvar a grande conquista.

Agora, temos conhecimento de um fato, verdadeiramente vergonhoso, dentro do esporte profissional carioca. A questão do prêmio aos jogadores vascaínos, que conseguiram sagrar-se campeões de um torneio regional, chamado de “super”, “super-super”, “hiper” e “ultra”.

É que a direção do Clube da Cruz de Malta, satisfeita e eufórica com a conquista do título tão ansiosamente cobiçado, decidiu oferecer um “bicho” de 30 contos de réis a cada um de seus “players”.

E sabem como foi recebida a proposta da direção vascaína? Com escárnio, por parte dos jogadores. Com imposição e arrogância anti-esportiva e anti-disciplinar, e, o que é mais grave, com verdadeiro e acintoso espírito de prepotência e convencimento dos mais condenáveis!

O “capitão” Bellini, ao ter conhecimento do “quantum” que representaria o “bicho”, ficou mais “leão” do que realmente fôra dentro de gramado. Gritou e esperneou, porque falava, como “captain”, em nome dos seus companheiros. E aduziu que o prêmio de 30 mil cruzeiros representava uma “quantia irrisória”!

Vejam os senhores, como está desmoralizado e disvirtuado o sentido puramente esportivo do futebol profissional neste país, e analisarmos a questão, sob o ponto de vista moral, deduziremos com facilidade, que só imoralidade existe hoje, regra geral, no profissionalismo futebolístico nacional.

Numa época de dificuldades como o presente, numa ocasião em que a própria nação se debate dentro de um lamaçal de inflação, à margem de um abismo econômico sem precedentes na própria história, é de lamentar-se a existência de um espírito “esportivo” como o que aconteceu com as declarações dos vascaínos, que foram divulgadas por toda a imprensa esportiva do Brasil!

De nossa parte, ouvimos as mais desairosas referências ao gesto em apreço. Quem emitiu conceito a respeito, foi o próprio povo, em sua expansão natural, com o credenciamento da autoridade de sofredor, em consequência de uma série de coisas erradas que vêm acontecendo ultimamente no Brasil.

E, se “vox populi, vox Dei”, só mesmo parodiando o falecido Heber de Bôscoli, para afirmar:

- “Dá o meu boné...”

Extraído do Correio de Marília de 27 de janeiro de 1959

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