Cultura e dialética (19 de fevereiro de 1959)

Repetidas vezes e de há muito, pregamos através desta coluna, a necessidade de Marília organizar um Centro de Civismo de Conferências, onde pudessem os marilienses, especialmente os intelectuais, expor dados e idéias, defender teses e externando pensamentos, de maneira a aprimorar a cultura e a dialética, abordando, de preferência, temas que dissessem respeito a assuntos palpitantes.

Nossos escritos, pelo que estamos informados, encontraram éco. Não total, porque idéias embora simples, porém de aparência arrojada, deparam sempre dificuldades e barreiras enormes.

Ensaiou-se em Marília, a formação de um Centro de Cultura. Diversas personalidades de proeminência nos círculos sociais e intelectuais da cidade, estiveram reunidos, dando os passos iniciais da organização do mencionado corpo. Nós, infelizmente, não estivemos presentes. Por dois motivos distintos: porque não teríamos a ousadia de arvorarmo-nos em intelectuais e porque não pretendíamos aparecer como timoneiros da organização, a fim de não dar margem a comentários desairosos (infelizmente tão comuns em Marília), que pudessem insinuar, mesmo levemente que fosse, a existência de um interêsse terceiro.

Parece que o assunto esfriou. Esfriou, conforme antevemos em alguns escritos transatos. Não por falta de gente capaz, gente suficiente; por falta de entusiasmo, por carência de boa vontade, por deficiência de tempo ou de outros fatores quaisquer.

O fato é que o Centro de Cultura nasceu praticamente numa tenda de oxigênio. E disso mais nos convencemos, domingo último, quando tivemos o ensejo de participar de um concurso de oratória, no Clube Kai Kan, organizado pela Sociedade Esportiva e Cultura de Marília. O certame referido, foi de âmbito regional. Do mesmo participaram nove cidades da Alta Paulista e nós, juntamente com os senhores dr. Nelson Ferreira, K. Miyabara, Octávio Barretto Prado e Otávio Simonato, fizemos parte da comissão julgadora.

Foi um concurso de improvisação, do qual participaram jovens estudantes. E estudantes “niseis”. Uma realização das mais bonitas imagináveis, despertando o interêsse da oratória na mocidade de origem estrangeira. E o mais interessante, é que a maioria dos participantes foi da zona rural.

A Comissão consignou, individualmente, seu voto descoberto. Até 40 pontos, por desenvoltura do assunto (tese); até 30 pontos, pela objetividade e clareza; e até 30 pontos, pela ética parlamentar e eloquência.

Não vamos comentar aqui os que venceram ou os que foram derrotados.

Não vamos citar, é claro, pequenos defeitos de dicção, falhas verificadas, incompetência, titubeios, falta de “tarimba”, decorações olvidadas no último momento. Vamos referir, apenas e tão somente, o espirito de compreensão, consciência e colaboração ao fato.

Dezenas e dezenas de pessoas, de tôdas as idades e ambos os sexos, permaneceram horas a fio, presas ao acontecimento, com um respeito profundo, com uma atenção sublime e encantadora, num suspense digno de nota.

Se por um lado, os filhos de japoneses nos deram um exemplo dos mais completos e exuberantes, por outro, a frequência, o silêncio, a atenção, merecem nossos encômios. O espírito de reconhecimento e de atenção, sem “broncas”, e sem aborrecimentos, nos credenciam o dizer que os japoneses, nessas situações, são mais calmos, tolerantes e pacientes do que nós, chamados “brasileiros legítimos”.

Dentro de um ambiente disciplinar elogiável e invejável, os japoneses se submeteram aos regulamentos do certame e do mesmo participaram com uma altivez notória. Desfilaram obedientes perante o público e abordaram temas verdadeiramente entusiasmadores, como, por exemplo, “o patriotismo”, “o panamericanismo”, “o analfabetismo”, “a assimilação”, etc.

Vendo aquele espetáculo de disciplina, de compreensão, de amor cívico, de interesse incontestável pelas coisas de brasilidade, representadas pelo pensamento externado na oratória, ficamos a matutar como é por que não temos em Marília ainda, um Centro Cívico de Conferências digno de nossa cidade e de nossa gente. E concluímos com facilidade a razão: o nosso espírito destruidor e impaciente, pejorativo em certos casos. Na comparação do caso, com nossa gente (que se diz brasileira), haveria fatalmente algazarra, comentários, risadas, gente saindo para fumar, “cornetas”, e tantas coisas mais. E os oradores, visitas de críticas atrozes, perderiam a estribeira, não contariam com o estimulo necessário, não seriam ouvidos com atenção, não receberiam palmas, etc.

Os presentes, se esforçaram ao máximo, por dedicar integral atenção ao transcorrer do certame. Os participantes, tudo fizeram para corresponder as atenções de que estavam sendo alvos. E, assim, nos deram um grande exemplo.

Pena que outras pessoas, especialmente intelectuais de Marilia, tenham perdido um espetáculo tão rico em grandes moldes, apesar de singelo em sua apresentação.

Extraído do Correio de Marília de 19 de fevereiro de 1959

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