Ontem e hoje (21 de março de 1959)

Qualquer pessôa que tenha hoje seus trinta ou quarenta anos e que foi criada no interior, convirá conosco que de que a vida atual é propícia à nossa juventude.

No passado, a mocidade não dispunha a não ser em raríssimas exceções, das dificuldades que hoje depara. No setor de estudos, tudo é mais fácil, mais completo, no que tange aos meios para haurir as luzes da ciência. No sentido de diversões e passeios, os jovens de hoje em dia encontram ampla liberdade.

O intercâmbio estudantil é um fato; bolsas de estudos premiam alunos que se destacam nas aulas. Existem firmas, govêrnos ou pessoas que patrocinam excursões estudantis.

Estudantes brasileiros já viajaram para diversas partes do globo e o Brasil já recebeu também visitas de estudantes de vários países do mundo.

No passado, tal não acontecia. O interior não propiciava as facilidades de hoje em dia e os próprios pais de família alimentavam mentalidade diferente, quando só os ricos mandavam seus filhos às Capitais, para cursar universidades. Os moços tinham uma vida sedentária, cingida a uma circulo que éra mais ou menos um móto-contínuo de estudar em grupo escolar, crescer trabalhando, casar trabalhando e continuar trabalhando, segundo as pegadas dos próprios ancestrais. Raros rapazes (e muito menos as moças), sentavam-se atraz de um volante, mesmo que os pais possuíssem um veículo. Não existiam muitas cidades que possuíssem piscinas e bons clubes. Não existiam a chamada “vida noturna” e ninguém se preocupava como hoje, com os passeios que dizem ser necessários ao físico e ao espírito. Os jovens não empregavam parte dos lazeres e parte do dinheiro em bebidas ou petisqueiras em bares. Só comiam fóra de casa, em restaurantes, por exemplo, em motivos externos. Pouquíssimos eram os que tinham o ensejo de uma viagem de trem, um passeio longo. Muitas pessoas atingiam a maturidade, sem ter visto um avião, a não ser no ar. Ninguém viajava de primeira classe, a não ser que fosse a situação financeira perfeitamente consolidada. Poucos usavam ternos de linho ou de casemira e os que dispunha de um “pareio” de brim cáqui, consideravam-se bastante felizes.

Hoje tudo é diferente, tudo mais fácil, tudo facilitado.

Talvez sejam esses os motivos de que a mocidade de hoje não se interessa de modo geral, tanto pelos estudos, tanto pelo trabalho, tanto pelo trabalho, como no pretérito. Talvez sejam esses os motivos da decadência moral em que estamos submergidos, a razão da juventude transviada, a oriundidade dos chamados “play boys”.

Assim pois, para aqueles que tiveram uma vida diferente dos jovens de hoje, o motivo em aprêço dá o que pensar. Dá o que pensar em duas razões perfeitamente distintas: primeiro, uma certa inveja de não haverem desfrutado as mesmas condições tão fáceis dos rapazes de hoje; segundo, porque devem sentir, intimamente, que lucraram mais com a vida diferente que levaram e com os bons exemplos que aprenderam, tornando-os em certos casos, homens de têmpera moral alguma coisa diferente.

Ontem, a palavra de um homem, ou um simples fio de barba, valia mais do que um documento. Hoje, até os documentos de fé legal mais fortes e positivos, são desfeitos inclusive até dentro de cartórios, com documentos ou manobras fáceis, fictícias e imorais, por expedientes que muitos chamam de sagacidade, mas que, na realidade, nada mais representam do que pouca vergonha e deslealdade.

Serão os sinais dos tempos, as contingências da vida? Ou será, em contra-pêso ao progresso geral do mundo e dos homens, a decadência da palavra, da moral e da dignidade, apanágios que tão belamente identificavam os homens do passado?

Nossos avós, se hoje vivessem, ficariam estarrecidos hoje em dia, nesse particular.

Extraído do Correio de Marília de 21 de março de 1959

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