Brasil, país deficitário (20 de junho de 1959)

Não, pelo amor de Deus, não nos chamem de maus brasileiros.

Em verdade, somos muito patriotas e por êsse motivo é que nos preocupamos em demais pelas causas nacionais. Preocupamo-nos mais intimamente, porque as razões de nossa apreensão, nenhum efeito conseguiriam encontrar nas altas esferas administrativas do país. Sucede, que, desfrutamos dêste desabafo, que é o rabiscar umas linhas diariamente e divulgá-las através desta coluna. Já é alguma coisa, porque conforme provou certa ocasião renomado psicanalista, “aquele que escreve, interpreta ou representa, exterioriza um pouco do próprio Ego, deixando transparecer a índole oculta”.

Daí o não ser, algumas vezes, compreendido o jornalista. Daí o confundir-se o profissional de imprensa, com algum fuxiqueiro ou alcoviteiro contumaz, desmerecendo-lhe o devido valor. Ainda outro dia, em plena Avenida do Fundador, um amigo comum, no intervalo de um cafezinho, após demonstrar ter “analisado” uma série de artigos que escrevemos sôbre a nova Capital Federal, chamou-nos, sencerimoniosamente, de “inimigos de Brasília”!

Ficamos compadecido dêsse amigo e de seu fraquíssimo espírito de razão e não menos de sua nula perspicácia de interpretação dos fatos. Não somos, absolutamente, contrários à Brasília, como, igualmente, nada temos contra a pessoa do sr. Juscelino Kubitschek. O que somos aversos, visceralmente aversos, é contra a forma pela qual Brasília está sendo construída. Somos contrários ao espalhafato arquitetônico que se chama Brasília, plantado no meio da selva, separando por mais de uma dezena de quilômetros a “Brasília dos brasileiros”, hoje conhecida como “cidade livre”. Somos contrários aos desmandos e às facilidades de enriquecidos com pouco trabalho. Somos contra o emprego de verbas fabulosas numa obra gigantesca, pretensiosamente preparada, enquanto incontáveis pontos básicos da própria vida nacional, definham e parecem por falta de dinheiro suficiente para a sua manutenção. Somos contrários, isto sim, às emissões extraordinárias do Tesouro, que enfraquecem ainda mais o já debilitado organismo de nossas finanças e que tanto contribuem para a desvalorização de nossa moeda.

O Brasil é um eterno país deficitário, mas atualmente ultrapassou todos os “records” anteriores.

Só num ano, o “deficit” orçamentário da União, teve um “aumentozinho” de 2 bilhões de cruzeiros! Em fins de maio de 1958, o saldo “descobert” éra de 15,7 bilhões de cruzeiros e no mesmo mês do ano em curso, essa “maravilha” acusou a estrambólica cifra de 17,7 bilhões!

Isso, entretanto, não tem importância. O que importa é que Brasília está sendo construída. Depois, quando se gritar contra a situação de uma quasi falência das finanças nacionais, os economistas regiamente pagos pelo próprio Tesouro, poderão ter uma saída excelente: dirão, como das vezes passadas, que a culpa cabe ao funcionalismo federal, que absorve quasi toda a arrecadação do país!

Extraído do Correio de Marília de 20 de junho de 1959

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)