Mais “uma” contra os “pracinhas” (19 de junho de 1959)

Problema melindroso êsse dos “pracinhas” brasileiros. Sua análise é feita como o aço de uma faca de dois gumes; uns interpretam-na de u’a maneira, outros de modo diverso. É necessário que o crítico conheça a condição dêsse atropêlo de idéias e de muitos ex-combatentes, para não incorrer no erro de uma dedução precipitada ou ilógica, além de injusta.

O que é, afinal de contas, um “pracinha”? Claro, para os que são patriotas de fachada, para os que não têm a suficiente capacidade de aquilatar a crueza e a realidade de uma guerra armada, um “pracinha” é apenas um cidadão que cumpriu seu dever para com a Pátria. Mas que a cumpriu. Nada mais, porque os que assim pensam, já pensam em demasia, sendo incapazes de qualquer outro raciocínio mais lógico, mais plausível, mais humano.

Para a mãe e para a esposa do “pracinha”, a situação é diferente. Para o médico analista, o “pracinha”, regra geral, visto sob o ponto de vista clínico, é um desditoso, um sêr que jamais voltará a ser, biologicamente, aquilo que fôra antes do embarque para a guerra.

Nosso comentário de hoje tem um endereço certo:

Dirigimo-nos, especialmente, ao sr. João Silvério Sobrinho, Diretor Geral da Guarda Civil de São Paulo. É o fazemos humildemente, na condição de “pracinha” que também somos, com o intuito de tentar chamar a atenção de seu espírito de patriotismo e solidariedade humana. Estamos tentando modificar um pouco uma sua decisão, que frontalmente prejudicou um nosso companheiro, pobre e honesto, exemplar chefe de família e pai de cinco filhos menores.

Habituados que somos a respeitar os que são dignos de respeito, mas valendo-nos de nossa belíssima democracia (democracia que os “pracinhas” auxiliaram a preservar, de armas em punho), endereçamos nosso apêlo ao sr. João Silvério Sobrinho, dirigente máximo dessa orgulhosa corporação que é a Guarda Civil de São Paulo.

O sr. João Silvério Sobrinho, dispensou há pouco, das fileiras da Guarda Civil, um “pracinha” que há oito anos emprestava seus serviços ao aludido organismo. Sem um maior profundo conhecimento da realidade dos fatos, sem atentar para uma condição diversa psicologicamente. Dispensa, sob certo aspecto, pura e simples. Desumana até, se formos passar numa peneira, os motivos originários dêsse ato, que deveria ser substituído por uma punição disciplinar tão sòmente, uma vez que existiu um erro de fato (não de direito) por parte do “pracinha” referido.

Até aí, nada estaria de mais, com referência ao caso. Sucede que o motivo da dispensa do “pracinha” Raul Neves (que representou Marília no Campo de Honra da Itália), encontrou uma repercussão de lógico descontentamento entre os ex-combatente e entre aqueles que são realimente amigos e reconhecedores do sacrifício pago à Pátria pelos “pracinhas”. Centenas de cartas, ofícios e telegramas, assinados por prefeitos, vereadores, bispos, deputados e associações de ex-combatentes, chegaram até o sr. Governador do Estado e sr. Secretário da Segurança Pública, solicitando revogação dêsse ato. O prof. Carvalho Pinto, justo como é, razoavelmente extraordinário e digno como sempre foi, encarou com simpatia e até compaixão o caso em téla. O mesmo deve ter sucedido, como respeito à pessoa do sr. Secretário da Segurança Pública.

Com o diretor geral da Guarda Civil, o caso já foi diferente: mostrando-se inimigo frontal de 25 mil ex-combatentes, o sr. João Silvério Sobrinho “deu o contra”, manifestando-se virtualmente desfavorável no reaproveitamento dêsse “pracinha”, que hoje se encontra na rua da amargura.

Ao sr. João Silvério Sobrinho, fazemos publicamente mais êste apêlo: Reconsidere o ato, conceda a readmissão dêsse expedicionário, porque sendo S.S. um elemento auxiliar do próprio Governo do Estado, estará, em nome de São Paulo e em nome de todos os paulistas, auxiliando o Brasil a pagar a mais sagrada dívida de nossa Pátria: a DÍVIDA DO TRIBUTO DE SANGUE!

E não se olvide o sr. João Silvério Sobrinho, que “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Raul Neves cumpriu o seu, lutando pelo sacrossanto Pavilhão Verde-Amarelo, de armas em punho, numa guerra moderna. Viu companheiros caírem, estraçalhados por estilhaços de granada ou varados por balas inimigas. Foi um homem, foi um brasileiro e foi um herói. Não é digno de tamanha injustiça, tão simples de reparar, mas tão difícil de sanar, pelo capricho frontal de um único homem: o sr. João Silvério Sobrinho.

Concluímos: esperamos que a benevolência e o espírito de gratidão em pról daquêle que nada mais tinha a perder do que simplesmente o própria vida, encontrem guarida no próprio coração e na razão do sr. João Silvério Sobrinho, tornando sem efeito o ato que dispensou o “pracinha” Raul Neves.

Extraído do Correio de Marília de 19 de junho de 1959

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