A menina dos olhos (3 de julho de 1959)

O atual Presidente da República apenas cumpriu o seu terceiro ano de govêrno. E já convidou (em proporção), mais Chefes de Estados estrangeiros à visitar nosso país, do que quaisquer presidentes anteriores.

E, invariavelmente, todos viram Brasília, a fenomenal Brasília, aquilo que um jornalista já denominou de “elefante branco das selvas de Goiás”.

Pensamos nós, é justo que o Sr. Juscelino Kubtschek faça questão cerrada de mostrar aos visitantes ilustres, maximé de outras nações, a “menina dos olhos” de seu govêrno, a extraordinária e exótica óbra arquitetônica que se chama Brasília. Existe nessa atitude do Presidente brasileiro, um fenômeno absolutamente normal, qual seja, o exibir euforicamente, aquilo que se constitui para um individuo, uma obsessão permanente. A julgar pelas seguidíssimas viagens do “Viscont” presidencial a Brasília, pelas verbas fabulosas que para lá são canalizadas, pelas “mamatas” que representa para certos “boas vidas” a construção da Novacap, pelos ensejos de enriquecimento fácil que oferecem os negócios imobiliários em Goiás e por outra infinidade de coisas, não há negar, que, o Sr. Kubtschek está verdadeiramente apaixonado pelo óbra. Ele próprio divide o tempo dedicado aos trabalhos de administração destes Brasís, num triângulo curioso: uma parte em Brasília, outra voando e outra no Catete. Nem para a família tem sobrado tempo, pois Dona Sarah tem viajado oficialmente prescindindo da campanha do esposo.

Ocorre-nos semelhante idéia, ao fazermos a comparação imaginária, de como se sentirão os visitantes forasteiros, ao conhecerem Brasília, hospedarem-se luxuosamente no Palácio da Alvorada, receberem um tratamento dos mais condignos a bordo do avião presidencial e travarem contacto com a mais “high society” carioca, se conhecerem, realmente, nosso país, “por dentro”. Se vissem o estado de fome do caboclo de nossas roças, o impaludismo e a verminose “comendo por uma perna” o filho do caiçara, a choça insegura e infecta do lavrador comum, as péssimas estradas do sertão bravio, os métodos rudimentares da lavoura nacional, as deficiências do ensino no Brasil, a burocracia esdruxula da maquina administrativa da federação, as “sugeiras” da política brasileiras e outras tantas coisas, os visitantes ilustres teriam uma conceito diverso do Brasil. Veriam que em nossa Pátria, nem tudo são banquetes faustosos, de fraque e cartola; que as estradas brasileiras são intransitáveis; que o ensino no país é falho e deficiente, com diversos aspectos de obsoletismo; que a assistência social claudica; que os heróis da Força Expedicionária Brasileira se suicidam envergonhados, deixando cartas que constituam verdadeiros libelos contra nossos govêrnos mal agradecidos e pouco patriotas; que o produtor comum, aquele que amanhã toma a terra e tira do seu ventre o cereal que sustenta o homem é espoliado; que os institutos de previdências social são, na prática, autenticas utopias; que o Brasil não é a praia de Copacabana, a Av. Rio Branco, a Av. Atlântica, as belezas naturais do Rio de Janeiro, os milhares de automóveis de granfinos do asfalto. Veriam, com extraordinária facilidade, que o Brasil não é, em absoluto, a menina dos olhos do Presidente Kubtschek, não é Brasília!

Desgraçadamente, o Brasil por dentro é a Pátria que não mostramos aos estrangeiros.

Extraído do Correio de Marília de 3 de julho de 1959

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