“Ciao”, ano velho! (31 de dezembro de 1959)

“Ciao” mesmo, 1.959. Você foi bom para alguns, que foi ruim para outros, “ao revoir”.

As gentes são assim mesmo; costumam enjoar, aborrecer-se logo de tudo. Inda no começo de janeiro último, todos estavam eufóricos, satisfeitos, desejando-se reciprocamente um “Feliz Ano Novo”. Todos estavam satisfeitos com você, 1.959. Agora, todos estão desejando que você acabe de uma vez, para recepcionar da mesma maneira que você foi recepcionado, o Ano Novo.

Você morrerá no calendário do presente, lá isso é verdade. Mas imitará o ex-Presidente Getúlio Vargas – passará para a história. Seu nome vai ser lembrado indefinidamente. Você será citado, sempre rememorado. “Em tal dia de 1959, nasceu em tal cidade, o cidadão tal”; “em 1959, faleceu o beltrano”, “em 1959, aconteceu isto, sucedeu aquilo”, nascimentos, casamentos, riquezas, misérias, bons negócios, maus negócios, derrotas do São Bento em sua própria casa, etc., etc., e tal, serão muitos dos motivos que colocarão em evidência seu nome, 1959.

Mas a gente tem que se despedir, ora essa. Despedida, dizem, é sempre triste. Dizem, mas não é. Quantas vezes a gente se despede de alguém, saturado, dando intimamente graças a Deus pela oportunidade? A gente finge, nessas ocasiões, lá isso é. Com você ninguém finge, não. Todos estão satisfeitos pela sua morte que hoje ocorrerá. Verdade mesmo. Já é alguma coisa essa tal de franqueza, não é?

O fato, é que você já está praticamente “fóra de circulação”. Seu caixão está devidamente encomendado. Sua sepultura, no próprio rosário dos dias da vida, já está preparada. E você irá mesmo. Sem “broncas”, sem esperneios. Para gáudio de muita gente. Ninguém sentirá a sua morte, 1959. Ninguém, pode crer. Mesmo os que “se deram bem” com você. Porque você não vai deixar saudades, não. Aqueles que “se deram bem” com você não ficarão saudosos, porque esperam de 1960, alguma coisa melhor. Os outros, os “que não se deram bem”, então nem se fala.

Sabe que você não será chorado, só por isso? Pode crer.

Sabe que muita gente ficará satisfeita, indisfarçavelmente satisfeita com a sua morte? Sabe mesmo?

Você (como seus irmãos anteriores) sempre foi fatalista ao extremo. Sabe você, toda a gente é fatalista, mas não gosta de sê-lo, não quer afirma-lo. Ou o nega, ou dá uma pincelada nesse tal de fatalismo com uma cor diferente, de outra afirmativa. Daí, essa coisa difícil de compreender, essa incoerência: ficar satisfeito agora, só porque você vai morrer hoje. Gente besta, não é?

Mas o fato é que você vai mesmo. E vai sem velas e sem choro, meu caro. Só aí já está caracterizado êsse discutido fatalismo, não tá? Os entendidos dão outro nome aos bois, lá isso é verdade.

Porém, você vai mesmo. Se vai. Vai direto. Não vai atrasar e nem adiantar um segundo sequer. Nisso todos gostam de você: a pontualidade.

E você será diferente dos homens, que depois que morrem, todos passam a ser bonzinhos, grandes sujeitos. De você nem todas as gente dirão que você foi bom, foi isto, foi aquilo, foi “formidável”. Muita gente há de “meter o pau” em você, pode estar certo. Muita gente dizer “cobras e lagartos” de você, 1959. Se vai. Pena é que você, como todo o cadáver que se respeita,, não vai “dar bolas” pra ninguém. Se fosse bem... mas não vai. Muita gente vai se referir a você com uma única expressão que vai dizer tudo o ruim contra a sua memória, 1959. Muita gente vai dizer de você, tão sòmente:

- Êta aninho ruim, êsse 59!

Extraído do Correio de Marília de 31 de dezembro de 1959

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