Ontem e hoje (22 de janeiro de 1960)



Existem coisas que obrigam a “dar tratos à bola” mesmo. A divergência do “modus vivendu” dos brasileiros de 20 anos para cá, por exemplo, é uma delas.

Muita gente diz por aí, que no passado, a vida era bem melhor, muito mais fácil, etc.. Outras pessoas, cinquentonas, por hipótese, recordam saudosas o chamado tempo da “vaca gorda”, quando se comprava um saco de pura farinha de trigo marca “Buda” por 16 mil réis, uma fazendola por 15 contos de réis e um garrafão de cachaça, dentre outras coisas, por 400 réis.

Além de vinte anos pretéritos, não temos nós a mínima lembrança de como eram as coisas; o que sabemos foi por ouvir dizer. Mesmo assim, notamos que apesar de tudo isso, de modo geral, a vida melhorou, embora isso pareça um paradoxo.

Vejamos:

Há vinte anos passados, nenhum operário ou lavrador (mesmo colono), tinha um bom terno de casimira, um bom par de sapatos “para passeio”, um rádio elétrico ou a pilha, e, muitas outras coisas que significam conforto e adiantamento. Quanto muito, a pessoa tinha um terno de brim cáqui para os “dias santos”, missas ou casamento; o “sapato de passeio” era sempre a botina ringideira mais nova. Ninguém viajava de primeira classe, ninguém comia em restaurante a não ser em caso extremo.

Hoje, não. Em que pese toda a miséria que campeia por aí, qualquer caboclo vem à cidade com seu terno de casimira; se perde a “jardineira” para o regresso, não titubeia em alugar um “biriba” ou um automóvel; tem seu rádio à pilha; viaja de primeira classe (no passado, os carros de primeira classe viajavam quase vazios; hoje é o contrário). Procura depositar dinheiro em Caixa Econômica. Geralmente é alfabetizado e até sabe preencher um cheque.

No passado, poucos tinham a “felicidade” de conhecer São Paulo, de dar “u’a olhadinha” no Prédio Martinelli. Hoje é rara a pessoa que não conhece a Capital, que não esteve em Aparecida cumprindo um voto, que não visitou o Paraná e não viu o mar em Santos! A porcentagem é grande, não tenham dúvidas.

Entretanto, hoje ninguém compra um saco de farinha “Buda” por 16 mil réis e nem outras coisas baratíssimas como no tempo da “vaca gorda”.

Melhorou ou piorou o tempo entre ontem e hoje?

Parece, é lógico, que melhorou.

Médico, por exemplo, ninguém procurava a não ser em último caso; doencinhas de aparência comum eram “resolvidas” por “benzedeiras” e “curandeiros” ou pelo boticário. Hoje a gente procura o médico até por um simples resfriado, mesmo sabendo que vai tomar penicilina e alguns comprimidos anti-gripais! Naquele tempo, dizem, as consultas médicas custavam cinco mil réis, no máximo dez.

Ninguém tomava siquer um cafezinho em bar, que custava 100 réis. Caboclo olhava tudo e não gastava nada a não ser o necessário, o estritamente necessário. Hoje o homem, mesmo o da lavoura, tornou-se exigente. No restaurante reclama, na condução, idem. “Está pagando e tem direito” – é o que afirma.

Caboclo hoje entende e acompanha futebol e política. Tem até amizade pessoal com alguns “cobrões”.

E a gente na cidade? No passado, até u’a macarronada éra um prato finíssimo, que nem todos os domingos era preparado. Sobre-mesa nem todos sabiam o que éra. Móveis bons, colchoes de móla, vitaminas, bons filmes falados, som estereofônico, etc., não existiam.

A gente se queixava da vida no passado e continua a queixar-se no presente. Ontem, dizem, as coisas “andavam ruins”. Hoje, repete-se, as coisas caminham mal.

Pensando bem, mas pensando bem mesmo, com toda a ruindade, com toda a miséria, com todas as dificuldades, mesmo assim, parece que hoje é bem melhor do que ontem.

Extraído do Correio de Marília de 22 de janeiro de 1960

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