Escrever, ler e interpretar (11 de fevereiro de 1960)



Inda ontem “batíamos papo” com um velho companheiro que, por muito tempo, mantendo uma secção periódica, foi colaborador dêsse jornal. No vai-e-vem da conversa espontânea, essa conversa que toma diversos rumos, mudando facilmente de rota, veio a baila a questão de nossa incumbência como “rabiscadores” de jornal provinciano. No ensejo, indagamos dêsse amigo o porque da “aposentadoria” de sua pena. O rapaz alegou falta de tempo, atribulações de serviço e uma série de outras coisas, perfeitamente justificáveis.

Dizia-nos êsse antigo colaborador, que, a par da verdadeira “cachaça” que identifica o jornalismo, para aqueles que escrevem por convicção e por prazer, a profissão possui as suas eivas de espinhos, sendo a sua análise mais difícil do que se pode prever assim de chofre, maximé pelo leigo.

E justificou:

- Veja você, como nem todo o mundo sabe ler ou interpretar o que o jornalista escreve. Tenho notado que muitos artigos, muitas vezes encerrando em seu conteudo assuntos de suma importância, condicionando questões dignas de ser discutidas, estudadas, apreciadas ou levadas em conta, perdem-se no indiferentismo da opinião pública; outras vezes, um artigo medíocre (mesmo o bom e “tarimbado” jornalista, alguma ocasião escreve um artigo insosso), que, por sua natureza chega a revestir-se de uma filosofia barata ou simples sofisma, consegue “fazer onda”, conforme a maneira e a capacidade de interpretação de que o lê.

Existe, de fato, uma grande verdade nesse entender do nosso amigo. A questão, não há dúvida, pode ser considerada, nesse particular, como os “ossos do oficio”. Efetivamente, essas coisas acontecem mesmo. O homem, regra geral, é muito sensível à crítica e observações. Isto, trocado em miúdo, significa que nem todos gostam ou estão em condições de aquilatar quaisquer referências de censuras, mesmo que em têrmos, fundamentadas e honestas. Por outro lado, todo mundo gosta de receber “confetis”, elogios, embora o expediente dêsse jaez traduza, por antecipação, a peça que calha e se ajusta àquilo que se convencionou chamar de vaidade.

Com essas pequenas coisinhas, o jornalista passa a vestir, automaticamente, um colete de diplomacia, para saber onde e como se pisa; isto é, utilizar-se de ações comedidas e cuidadosamente estudadas, porque, é verdade, nem todo o mundo aprecia o escrito, de maneira neutra e fria, imparcial como deve ser.

Dissemos que o jornalista usa diplomacia e ações comedidas. Isto, entretanto, não pode ser interpretado como receio de ferir melindres ou como medo de escrever a verdade. Esta, embora em têrmos suaves, deve ser dita sem rebaços e de maneira objetiva e não estará cumprindo bem a sua missão, o “escriba” que assim não agir.

Aí está, pois, a corroboração da afirmativa que expendemos ao nosso ex-colaborador, de que os fatos pelo mesmo justificados, são em realidade as contingências da própria profissão, vulgarmente chamadas de “ossos de ofício”.

A gente, quando escreve, o faz na esperança de que todos os que passam os olhos sôbre o artigo, estejam em condições de saber interpretar o escrito. Se, nos casos citados, algumas pessoas assim não fizeram (ou não fizerem), por certo a culpa não é do “rabiscador” de jornal, especialmente se êste é bem intencionado e procura ser claro. A culpa, no caso, é tão sòmente da capacidade de interpretação ou do tipo do “Ego” de quem lê sem saber ou sem querer interpretar as coisas como elas sao.

Extraído do Correio de Marília de 11 de fevereiro de 1960

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