NOSTÁLGICO APÊNDICE



“Li alhures...”

Significa isso, o mesmo que dizer: li em algum lugar, não se há quanto tempo, nem me lembro onde...

Se eu iniciasse este escrito, com tal expressão, poderia parecer meio poético, meio bonito, até meio culto.

Mas não seria.

Seria, isto sim, meio pedante, meio besta até.

Mas ocorre que eu li alhures: “O repórter é o único sujeito que tem o direito de meter o nariz onde não é chamado”.

Por isso, aqui minha presença.

Transcorria o ano de 1945. Plena guerra mundial acontecendo. “Pracinha” no Exército Brasileiro, integrando a FEB, lutando na Itália.

Meu mano Alcindo cursava o último ano de contador, na Academia de Comércio, a saudosa e chamada “Escola do Póvoas”.

O “Correio de Marília”, o primeiro jornal da cidade, também o primeiro da Alta Paulista, já havia pisado a marca de 17 anos de vida, dedicada aos marilienses e à cidade na qual nasceu. Luiz Franceschini, jornalista forjado no trabalho árduo e difícil que as circunstâncias do momento dispunham e exigiam, era o redator secretário do jornal. Na verdade era o único na redação. O trabalho era estafante. As matérias, todas, à lápis, manualmente.

Franceschini, certo dia topou o Alcindo. Em conversa com o estudante ficou sabendo que este tinha um irmão na guerra, que escrevia antes de sua incorporação ao Exército, no bi-semanário “O Progresso”, da vizinha cidade de Lins. O escriba do “Correio” solicitou, então, que o irmão dele enviasse alguns trabalhos para o jornal. O Alcindo pediu por carta. O rapaz atendeu.

Poderá imaginar o leitor. “E o que é que eu tenho com isso?” Nada, de fato. Mas algo, mínimo que seja, se for e tiver o pensamento e o coração bem marilienses.

Não falei acima que o repórter tem o vício de meter o nariz onde não é chamado?

Ao deparar com o número zero do nascimento “Correio do Interior”, senti dentro de mim a imagem, a vida, o sofrimento, as lutas, as decepções, as glórias, as desilusões e as honras. A saudade de uma paixão, de um amor grandioso, imensurável, incomparável: o jornal. E eu amei muito o “Correio de Marília”.

Quando eu principiei a namorar – com a mulher que estou firmemente casado até hoje – meus filhos não haviam nascido, igualmente meus 19 netos não tinham vindo ao mundo, eu já escrevia para o “Correio de Marília”.

Por cerca de meio século militei no dito jornal. Por isso, a razão desta autêntica confissão.

Razão principal destes rabiscos:

Parabenizar – como intrínseco e autêntico jornalista que sou – a Oswaldo Machado, criador e lançador do “Correio do Interior”, cujo número inicial tantas emoções me acarretou, fazendo rememorar a odisséia de perto de mio século de lutas, no antigo “Correio de Marília”.

Que Oswaldinho tenha – mesmo com marcantes sacrifícios – a vida e as honras do antigo “Correio”. Para mim, o “Correio do Interior” se assemelha como um próprio continuador.

Medite, Oswaldo, a essência e as profundezas, a lógica e a razão contidas naquele conselho justo e sábio do mestre Anselmo Scarano – alma boníssima, coração gigantesco e humilde que enverniza sem opacar, essa luminosa inteligência nas artes de pensar e escrever.

Convivi com Anselmo, trabalhei com Anselmo, por mais de 40 anos.

Posso falar de cátedra.

Sei o que escrevo e escrevo o que sei.

Como um impacto a crise nostálgica me fez bem. Deu-me a convicção de que ainda existem homens de fé e de trabalho, de boas intenções, nos quais se pode confiar e dos quais se pode esperar obras e realizações, prenhes de exemplos sadios e corajosos.

Toda criatura humana tem seu ego. Junto a ele, inseparavelmente ligado a ele, está um apêndice.

É o “nostálgico apêndice”.

Nem sei se existe tal nome. Se não existe, fica inventado. E aqui colocado.

Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo

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