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Mostrando postagens de abril, 2012

TIPOS & COISAS E CASOS (8)

Lembrava-se. Ele era um pequeno, muito pequeno. Sete anos, talvez. Mas o fato marcara muito. Ficara indelevelmente gravado. Antes – tinha a certeza – nunca tivera observado ou sentido tal. Verdade mesmo. Nunca tivera sentido tanto medo. Medo de defunto. Era um dia comum. Para a idade de criança assim, no sítio, todo dia é comum. Ele e mais alguns amiguinhos, os mesmos de sempre, brincavam na sombra da grande paineira. Foi quando chegou o Mario. Também da turma. E a notícia, dada pelo próprio Mario: - Meu pai si morreu... Todos ficaram surpresos, como nem acreditando. Thiago disse: - Vâmu vê? E saíram todos. Ele também. Mas pensando em nada. Como se fôra um deslocamento natural. E isso foi o ruim. O despreparo psicológico, o impacto, a surpresa. Foi o que aconteceu. Quando entraram na sala, havia pouca gente. O cadáver estava estendido sobre a mesa, sem o caixão, pois alí, na ocasião, a urna só era feita depois da morte, pelo carpinteiro Adão. Ele sentiu uma coisa assim

TIPOS & COISAS E CASOS (7)

Razão tem antigo brocardo, quando afirma: “Na briga de sirí com caranguejo, quem acaba apanhando é o camarão”. Assim era a cidadezinha de Varjão da Purunga. Situada entre duas outras cidades desenvolvidas e visceralmente rivais. Não tinha tempo, nem espaço, nem chances de progresso. Estava fadada a um ostracismo permanente. De um lado, Poço do Sossego, crescendo sempre. De outro, Bananeiral, igualmente desenvolvendo-se. E ambas procurando cada vez maior agigantemento progressista, estavam sufocando Varjão da Purunga. Esta havia nascido fadada ao acomodamento compulsório. Município de pequena área; cidade pequena, cheia de problemas; arrecadação municipal, diminuta; carente de tudo: escolas, rede de água, esgôto, estradas, guias de sarjetas e tudo o mais que representa sinal de mínimo comezinho progresso. Aproximavam-se as eleições municipais e havia muita frieza quanto à eleição do novo prefeito. Os que por ignorância de realidade se animavam a candidatar-se, possibilidades não

TIPOS & COISAS E CASOS (6)

A laboriosa população da pacata cidadezinha de Varjão da Purunga andava preocupada. O povo conversava e comentava sobre a seguida onda de assaltos a bancos, a postos de gasolina e até contra pacíficos rapazes de escritórios, quando estes se dirigiam a estabelecimentos bancários. “Aqui não há perigo”, diziam muitos, numa tentativa de falso auto-controle, mas temendo que um dia o caldo pudesse também entornar. “Qual o que! Varjão é cidade pequena e póbre e ladrão de fóra não vai querer perder tempo em vir assaltar nosso banco aqui”, é o que dizia seo Matias, o gerente da agência bancaria da cidade. Mas uma espécie de psicose disfarçada tomava conta de todos. Medo, mesmo. Queriam ocultá-lo, dissimulá-lo, mas ele, o medo, existia. Também, aquele locutorzinho da Rádio Difusora, rapazinho pernóstico que havia chegado da Capital – segundo ele mesmo dizia – estava criando um clima de muita tensão. Ele lia ao microfone as notícias mais trágicas e sensacionalistas, extraídas de um pasq

TIPOS & COISAS E CASOS (5)

Ele se sentia ofendido. Mais do que ofendido, ferido em seu amor próprio. Só uma vingança, mesmo que fôra sórdida, poderia cicatrizar a marca da ingratidão que entendia ter sofrido. Ele iria vingar-se, sim. De que forma, não sabia, mais iria vingar-se. Iria ser o último a rir, mesmo que ela chorasse com o resultado. Sentado junto à mesa do bar do Tonhão, rodava lentamente com a mão direita o copo de cerveja quase vazio. A garrafa estava com mais da metade do líquido, mas tanto tempo fazia que fôra aberta, que já havia esquentado. E pensava: Sempre gostara dela, sim. E dera mostras disso. Ele sabia que sempre fôra trabalhador e honrado, estimado por todos, porque sempre se comportara como homem de responsabilidade. Tudo caminhava bem, até o dia em que chegou na cidade, indo hospedar-se na pensão da mãe da Diva, aquele carinha metido, cheio de coisinhas, funcionário do banco e que havia sido removido da Capital. Num abrir e fechar de olhos, aquela coisa, o Nivaldo, consegui

TIPOS & COISAS E CASOS (4)

Tudo aconteceu de maneira que ninguém esperava. Miro, o Waldomiro da olaria, co-protagonista da estória, nem poderia sonhar com semelhante fato. Mas acabou acontecendo. Waldomiro gostava e costumava passarinhar. Caçar algumas rolinhas, pombas e perdizes, de preferência. Suas caçadas eram marcadas pelo fracasso. Quase sempre “perdia a viagem”, isto é, pouco ou nada consegui de uma boa caça. Ele justificava que era falta de sorte, mas o fato mesmo é que o Miro além de ter uma espingardinha do tipo pica-pau muito velha e ultrapassada, era bem ruinzinho de tiro. Certa feita, disposto a fazer uma boa figura e sonhando azoidamente em mostrar para os amigos todos uma caçada convincente e de fazer inveja, Miro avançou mais do que de costume. Acabou por atingir uma pequena várzea. Lá perscrutou, observou, sondou, andou e acabou dando em nada. Apenas uma perdiz num vôo rasteiro, inesperado, assustada com o homem, acabou assustando também o caçador. Nem um tirico, nem uma avezita.