Um pensamento agourento (22 de agosto de 1973)



Um cidadão natural do Estado de Sergipe, criado e vivido na Guanabara, domiciliado hoje em Brasília, esteve em Marília pela primeira vez.

Como ex-pracinha, esteve em minha casa.

Orgulhoso de Marília, fui mostrar-lhe minha cidade.

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Rodei rapidamente com o mesmo, percorrendo diversos pontos marilienses e explicando ao visitante ex-combatente, tudo o que possível foi na oportunidade.

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Esse amigo confessou ter gostado imensamente de Marília.

Nessa rápida peregrinação, por coincidência ou azar dele ou meu, paramos quatro vezes consecutivas exatamente nos momentos em que as famigeradas cancelas da Fepasa estavam fechadas para o público.

Para mim, a espera enfadonha, mas já conhecida, tida como inevitável e irremediável.

Para o forasteiro, motivo de admiração. Mais do que isso: estranhou o pracinha que uma cidade como Marília, de dinamismo impar e encantador, pudesse ainda apresentar um trambolho a entravar seu progresso.

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Ele tinha razão.

Contei-lhe a odisseia do “caso das porteiras” e o boicote que a Câmara Municipal operou no passado, ao antigo prefeito Barretto Prado e ao atual Governador Laudo Natel.

Não se conteve o visitante:

- Mas em Marília existe ainda politicalha dessa espécie?

Afiancei-lhe que se não existe, já existiu e uma das provas era aquela que o mesmo presenciava.

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Esse simples pormenor, que me foi revivido ocasionalmente pelo visitante referido, chegou a causar-me um arrepio de medo.

Ensejou-me o lembrar um aspecto importantíssimo da própria vida mariliense, bem atual. Que representa um passo gigantesco em nosso progresso, uma razão emancipadora sem precedentes, uma deferência impar. Também empenhos de gentes onde figuram marilienses da gema e bem intencionados, onde está o dedo do atual prefeito e onde está o interesse e a assinatura do Governador Laudo Natel.

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Expulsei de imediato esse pensamento agourento.

Mas a preocupação ficou, pairando no ar, perturbando até meu subconsciente.

Lembrei-me do caso das porteiras e fiquei temeroso.

Com medo de uma repetição de fatos, que seria de todo abominável.

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Pensei:

Está tudo devidamente cronometrado, para que tenhamos em breve a maior fiação de seda da América Latina.

Essa instalação apresentará como condição “sine qua non” a doação de áreas municipais ao grupo nipônico que vai montar a almejada empresa.

Todo mundo sabe disso.

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Meu receio fixou-se num ponto:

A Câmara Municipal. Sem a aquiescência da mesma, o prefeito não poderá fazer a doação da área. Sem a doação da área, não teremos fiação. Não tendo fiação, os efeitos e prejuízos morais, serão imediveis para Marília, para seu porvir, para sua gente.

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Depois, procurei eu próprio auto-consolar-me.

A Câmara jamais poderia bisar a atitude feita com relação ao caso das porteiras.

Seria um crime de lesa-Marília.

Seria uma infâmia.

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Consegui divorciar-me em definitivo desse mau pensamento.

Afinal, a Câmara é a própria Marília e como tal jamais iria trabalhar contra Marília, cercear o progresso mariliense.

Com esse pensamento, consegui olvidar o assunto e sossegar a cuca.

Extraído do Correio de Marília de 22 de agosto de 1973

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