Pedaço de recordação (10 de fevereiro de 1977)



Certa ocasião, ví na vitrina de um estabelecimento comercial, na rua Cel. Galdino, um cartão com os seguintes dizeres:

“O bom não é ser campeão. O gostoso mesmo é ser corinthiano”.

Achei muito bacana a inscrição, embora eu não seja corinthiano. Vi na legenda, não uma evaziva, ou um consolo, ou uma desculpa, pelo “sofrimento corinthiano”. Vi, em contrário, uma vaidade e um orgulho, uma espécie de um ráio de incentivo e de estímulo, varrendo qualquer eventual desânimo ou esmorecimento.

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Sem relação ou correlação, o dístico referido ensejou-me a convicção de que é bom também ser velho, vivido num centro, para recordar com saudade fatos passados, coisas já idas, episódios que o tempo se encarregou de guardar em suas gavetas de esquecimento.

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Vejamos, neste jogo de associações de lembrança, como o imprevisto e as coincidências podem servir de inspirações ou influenciar fatos.

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A cidade tem três casas de pastos, com nomes originais italianos: são os restaurantes Capri, Nápoli e Vesúvio. Deveriam ser quatro, se ainda existisse o Bologna.

É a respeito deste que desejo falar. Mais precisamente sobre a denominação desse estabelecimento que pertenceu ao mariliense Higino Fioravanti.

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Transcorria o ano de 1956.

Adorcino de Oliveira Lyrio era o prefeito de Marília.

Dentre os assuntos pautados para o prefeito tratar em São Paulo existiu um encontro com uma comissão de deputados, na Assembléia Legislativa de São Paulo. O assunto era tratar da questão que já havia tomado corpo e cunho dinâmico, que se constituia no anseio de Marília, pró criação de uma Faculdade de Filosofia.

Eu havia combinado com Adorcino nos encontrarmos em São Paulo e acompanhá-lo nessa reunião.

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Fomos a Assembléia, que aquele tempo funcionava no antigo prédio do Departamento de Trabalho, no Parque D. Pedro.

Perto das nove da noite terminou o colóquio e por qualquer motivo, eu e o prefeito, acabamos saindo sozinhos da mencionada repartição.

Plantamo-nos à margem de uma rua, aguardando que por alí passasse um taxi.

Transitavam carros particulares, mas de aluguel, nenhum. Já estavámos dispostos a seguir caminho à pé, quando um carro com chapa particular parou perto, chamando Adorcino pelo nome.

Era um ex-delegado de polícia de Marília, que havia sido transferido para a Capital e que havia reconhecido o prefeito. O homem nos deu carona para a cidade, desculpando-se pela circunstância de ter que participar de uma reunião com o Secretário da Segurança Pública.

Ficamos na Praça Clóvis Bevilacqua.

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De lá, fomos à pé, até o Anhangabaú. Adorcino pediu-me que jantasse com ele. Fomos ao Restaurante Bologna.

Quando chegamos, os garçãos já o conheciam e se desmancharam em mesuras e atenções, com o prefeito de Marília.

Comemos peixe e camarão, que por sinal estavam deliciosos. Gostei do local e do ambiente e dalí por diante passei a frequentar o Bologna.

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Tempos depois o Higino se dispunha a continuar com o restaurante que antes fôra o Atlântico e que os irmãos João e Antonio vendiam para instalar o estabelecimento em outro local.

E o Higino, palestrando comigo, pediu-me sugestão para o nome da nova casa.

Disse, então, que o brasileiro gosta muito de pender para nomes estrangeiros e que, em matéria de restaurantes, pela influência da imigração italiana em São Paulo, as denominações itálicas tinham excelente aceitação.

E sugeri o nome de “Bologna”, lembrando o fato da Assembléia, do delegado de polícia e do prefeito Adorcino.

E ficou Bologna, onde hoje (10 de fevereiro de 1977) é O Lanchão.

Extraído do Correio de Marília de 10 de fevereiro de 1977

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