Três fatos de uma guerra (20 de abril de 1974)



Aconteceu:

Não há muito, deram conta os jornais do caso de um sargento do Exécito Japonês, que se encontrava perdido nas selvas, desde 1944, sem saber que a II Grande Guerra Mundial havia terminado em 1945.

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Não que seja inveridica a notícia e nem falso o militar nipônico, mas, para mim, o informe tem algo de esquisitice.

O que me faz estranhar é que um combatente não tenha “faro” suficiente para perceber, desconfiar ou assimilar, mesmo à distância, o término de uma sangrenta beligerância, com bombardeios seguidos, aviões militares cruzando os céus e os efeitos dos combates, que se irradiam numa área de muitos quilômetros. Sem guerra, todo o ambiente é uma coisa. Com guerra, tudo muda.

Não consigo entender muito bem isso ai.

Eu participei dessa guerra e se fôra minha a desdita, por certo, nesse tempo todo eu teria atinado de que a guerra teria findado.

Bem, isso não interessa.

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Tem outro mais recente ainda:

Fronsinone é um lugarejo da Itália. A “signora” Luisa Giamondi, tida como viúva há trinta anos, estava reunida à mesa com os três filhos, domingo passado, saboreando uma deliciosa “pasta seiuta” (macarronada), comemorando a passagem da Páscoa.

Os filhos de dona Luisa, todos adultos, não tinham a mínima recordação do pai, o “signore” Domênico Gismondi, pois esta partira para a guerra em 1944.

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A alegria era geral e os quatro atacavam felizes a macarronada e iam aos poucos esvaziando a “botiglia” de vinho tinto que estava sobre a mesa.

Repentinamente a mulher deu um grito de susto e caiu pálida, sendo acudida pelos três filhos e por um homem que havia ali entrado inesperadamente.

Passado o susto, as coisas aclararam-se.

O homem que havia assustado a “signora” Luisa, nada mais era do que o próprio marido, Domênico Gismondi, do qual a mulher não tinha mais notícias há 30 anos e considerava morto em combate.

Domênico explicou, então, o que se havia passado: caira prisioneiro na Albania e somente agora havia conseguido deixar aquele país, com visto de turista, para visitar a Itália.

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Para felicidade de Domênico, a mulher não havia casado e levou até aqui sua vida conformada de uma “viúva” honesta.

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Certa feita, durante a II Grande Guerra, após o primeiro ataque da FEB a Monte Castelo, em fins de 1944, consegui um dia de folga. Encontrava-me na cidade de Porretta Therme e dirigi-me à Pistoia, com mais alguns companheiros: Cabos Simões e Raposo e soldados Silveira e Bruno.

Os combatentes eram proibidos de comer em locais destinados à população civil e porisso todos nós passamos o dia bebendo e perambulando pelas ruas, desfrutando um ambiente gostoso e diferente do “modus operandi” dos combates.

Nessa “peregrinação” por bares de Pistoia travei conhecimento com um cabo do Exército Americano e esse encontro amistoso foi muito bem “bebemorado”. Palestramos muito e trocamos fotografias e endereços.

Eu perdi o endereço e a foto do “yankee”.

Dia destes fui surpreendido com a chegada de uma carta procedente dos Estados Unidos.

Era do cabo John Houtte, que escrevia-me, mostrando grande receio e ansiedade (os americanos não falam ansiedade e sim “excitação”) em saber se eu estava ou não vivo. Contava-me haver casado ao término da guerra, e informava-me que, com 52 anos, já é bisavô, sendo proprietário de uma “fazendinha”.

Não há dúvida de que o John progrediu mais do que eu nesses dois aspectos. Eu não tenho “fazendinha” e ainda não consegui ser bisavô.

Extraído do Correio de Marília de 20 de abril de 1974

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