Pragas e xingações (25 de maio de 1974)



Tem muita gente maldosa por aí.

Gente hipócrita, malediscente e covarde, que o “rogar pragas” passou a ocupar lugar comum, nas bocas e pronunciamentos, nascidos racionais, quiçá por um descuido da própria natureza.

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Se todo distinto fôra temer as “pragas”, que lhes é covarde, traiçoeira e anonimamente rogadas, teria por certo, que andar com figas no pescoço, patuás com orações, pé-de-coelho e galhinhos de arruda.

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Se as pragas pegassem muita gente que por aí perambula, de há muito estaria séte palmos abaixo do nível da terra.

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Quem exerce função ou atividade em relação direta, ao público, sujeito que está ao sabor das mais variadas opiniões interpretativas, sendo portanto alvo permanente de críticas, não fica isento e nem alijado da passividade de transformar-se num receptáculo de pragas.

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Sujeito ouve a Câmara, através do rádio. De repente, não se contém: “lasca” uma praga por cima de um vereador.

Mulher vai cortar a carna para preparar o bife do almoço. A carne é dura, a faca não corta bem, a própria mulher não sabe cortar um bife fininho. Lá vai uma praga para o açougueiro.

Zagalo anuncia a escalação do selecionado. Paulo César escalado. Lá vão duas pragas: uma para Zagalo e oura para o jogador.

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O metido a engraçadinho está fazendo “miséria” com seu carro. O guarda de trânsito admoesta, adverte, ameaça a multa, ou autua mesmo. Neste caso, a praga contra o policial vem depois, quando o distinto já está distante.

O cara faz uma coisa errada. O repórter soube. Escreve e o jornal publica. A praga é para o repórter.

Às vezes a praga é substituída. Substituída pelo xingar. A xingação é mais expontânea e não exige tanto esforço mental. Mesmo porque tem gente por aí que não pode fazer muito esforço mental. Resulta num mau cheiro insuportável.

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Então, vem a xingação.

Domingo passado (19/05/1974), Pulga perdeu um gol lá em São Caetano. O coitado nem sabe quanto foi xingado.

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Zagalo cortou Mirandinha da Seleção. Não somente por parte de sãopaulinos, mas de outros também foi mimoseado com um coral de xingações.

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Tem um buraco na rua. Xinga-se o prefeito.

Sobe o preço da carne. Xinga-se o açougueiro.

Telefone não funciona. Xinga-se a Companhia.

Televisão está ruim. Xinga-se todo mundo.

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Jornalista emite opinião, ou critica, ou censura, ou louva. Xinga-se o jornalista.

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Mas o maior índice, o maior volume, de pragas e xingações, talvez do mundo todo, centraliza-se em dois pontos da cidade.

Na Rua 9 de Julho e na Rua Paraná.

Motivo: porteiras da Fepasa, manobras das locomotivas e comboios.

Ali todo mundo xinga, todo mundo roga praga. Contra a Fepasa, contra os vereadores.

Xingação e pragas é ali.

O pior é que até as blasfêmias tem procedência…

Extraído do Correio de Marília de 25 de maio de 1974

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