A carta do Policarpo (28 de agosto de 1976)


Compadre, recebi hoje sua carta e fiquei satisfeito com as notícias de que todos por aí estão bem de saúde. Nós aquí vamos remando a vida, apesar de continuar sempre a bater no mesmo prego.

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Estive refletindo sobre sua dissecação política e acabei concluindo que você tem muita razão.

Aquí em Marília acontece o mesmo fenomeno por você citado, com referência aos candidatos que põem as manguinhas de fora.

De fato, conforme disse você, o bisturi que a Revolução lancetou aquela enxurrada de partidos políticos, para permitir que apenas dois tivessem vida, não apresentou, sob certos aspectos, os resultados que seriam esperados.

O negócio ficou mesmo qual certos time de futebol varzeano: trocaram-se as camisas, mas os jogadores continuam os mesmos.

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Você tem razão: os subversivos, os agitadores, os conturbadores da ordem, os comunistas, correram e filiaram-se no emedebê. O partido da oposição tem gente boa, é claro. Mas aqueles que eram contrários ao regime nacional, não estão na Arena, estão no mandabrasa.

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Embora muitos corruptos tenham se agregado a Arena, pelo menos no setor de segurança patriótica, este partido apresenta arma diferente e mais coesa. Mesmo muita gente não entendendo ou não querendo compreender.

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Eu não havia percebido a observação que você fez, com referência a “reviravolta” oposicionista. Você tem razão.

Mesmo aquí em Marília verifica-se identico fenomeno.

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E é fato:

Antes da vitória do emedebê em 1974, não eram todos os que se animavam a vestir camisa da oposição e entrar em bloco e nas danças do partido. Muita gente estava quietinha, parecendo não querer coisa com coisa.

Depois da vitória da oposição ante a situação, principiaram a saltar lebres de todos os lados. Gente que não tinha a coragem de externar seus amores pela política contrária ao Governo, entendeu que era chegada a hora e passou a cantar e a dançar.

Estive pensando sobre isso, analisando mentalmente alguns nomes e fiquei até abismado. Tem gente que nunca falava nada e depois das eleições de 74, animou-se e saiu da moita.

Você precisa ver.

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Mas por aquí, no terreno da política sucessória, tudo anda relativamente calmo. A previsão é de que o circo vai pegar fogo logo, logo.

O prefeito preconiza uma campanha política de elevada educação, mais isso vai se tornar impossível. Garanto. Já tem gente fazendo política e “largando o pau” no Pedrão. Você sabe que ele não fica quieto e porisso terá que modificar seus propósitos.

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Marília está crescendo que é uma coisa louca.

Você vai estranhar quando vier aquí, no Natal.

A gente aqui estranha. É só ficar um mês sem rodar por determinados pontos e quando o faz fica admirada do progresso. O dinamismo mora mesmo aquí, compadre.

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Vou botar um ponto final nesta missiva.

Recomendações à comadre, beijos nas crianças e um ponta-pé no cachorro.

Extraído do Correio de Marília de 28 de agosto de 1976

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