Dona Helena e o nervo do dente (06 de agosto de 1976)
Eu deveria ter mais ou menos
9 ou 10 anos de idade.
Meu pai determinara-me ir até
o sítio de uma família italiana, a-fim de fazer determinada cobrança a uma
pessoa que era conhecida como Zé Alagoano.
Percurso duns quatro ou cinco
quilômetros, mas que parecia mais longo, pois era feito a pé, através de
pequenos “trilhos” ou “corredores”, no meio de pastagens e cafezais.
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Ao chegar ao destino, fui atendido
pela esposa do Zé Alagoano, pois ele estava na lavoura. A mulher orientou-me e
fui procurar o homem, encontrando-o afinal.
Informei-lhe do motivo da
minha ida até alí e o mesmo respondera que só na semana entrante é que ele
teria condições de solver o compromisso.
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No regresso, dispuz-me a
mudar de trajeto e passar pelo sítio do Tião Alves – todos o chamavam de Tião
Árvi.
O filho do Tião, o Arcídio
(deveria ser Alcides) havia-me prometido um filhote de papagaio e eu fui até lá
para ver se o mesmo já havia conseguido apanhar o filho de ave.
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O Tião tinha uma pequena
engenhoca. Moia cana, produzindo melado e rapadura.
O homem estava eufórico
porque havia tentado fazer a rapadura mesclada e a experiência havia dado
certo. E fez-me experimentar os tipos do doce que havia fabricado: rapadura
pura, com mandioca, com abóbora, com batata e com amendoim.
Gostei, mesmo porque toda
criança gosta de doce.
Ao sair, o Tião Alves
presenteara-me com um “tijolo” de rapadura mista com abóbora.
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Havia saido cedo de casa e
quando regressei já era hora do almoço.
Não consegui almoçar. Por
dois motivos. Primeiro, porque havia comido muito doce e perdido o apetite.
Segundo, porque a rapadura me havia provocado uma violenta e desesperadora dor de
dente.
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Não havia remédio para dor de
dente ou qualquer tipo de analgésico.
Fiz um palito de fórforo e,
como não havia algodão, substitui o mesmo por fiapos de franja de uma folha e
apliquei querosene no dente que doia. Não deu resultado. Apliquei, então,
creolina. Queimou-me a boca, mas também nada adiantou.
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Um preto velho viu-me assim e
ficou condoido. E aconselhou-me a procurar a dona Helena, num sítio distante
oito quilômetros dalí.
Ela iria “tirar” o nervo do
dente e eu não sentiria mais dor – garantiu o preto Zacarias.
E explicou:
- Dona Helena faz uma massa
de “maria preta” (pequena frutinha silvestre) com azeire e banha de galinha;
depois ela ensopa a plasta num pano, que esquenta com a cama da lamparina,
enquanto o bico de um funil é colocado no dente afetado. O nervo do dente
adentra pelo cano do funil, atraído pelo calor do fogo e pelo cheiro da plasta
e vai cair sobre um lenço preto e vermelho…
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Eu não sabia o que era “nervo
do dente”. E o Zacarias explicou que era uma coisinha “quenem um a
lombriguinha, mas do tamanho de um pedacinho de linha de costurar”.
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Arreei o cavalo e fui ver
dona Helena.
Antes de chegar apanhei um
bornal de “maria preta” por entre os cafezais.
Cheguei e fui informado por
uma filha da mulher que a mesma estava no riacho, lavando roupa. Pedi à menina
que fosse chamá-la, pois meu dente doia muito e eu queria que ela “arrancasse o
nervo”.
A menina foi e eu fiquei
aguardando.
Pareceu-me que demorou um
século até a menina voltar acompanhada de dona Helena.
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A mulher mandou-me entrar
para ver o dente. Entrei confiante. Sentei-me no banco por ela apontado. Dona
Helena pediu para mostrar o dente que doia. Mostrei.
A mulher fez uma careta que
me deixou desapontado.
E disse:
- Num vai dá para tirar o
nervo desse dente, que está na base de baixo. Se fosse na parte de cima, aí
dava, porque o nervo saía do dente e entrava direto no funil. Mas sendo da
parte de baixo, o nervo não vai ter força para sair do dente e subir todo o
cano do funil…
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