Uma recordação puxa outra (14 de setembro de 1974)


Ontem (13/9/1974) pela manhã, um humilde e honesto carregador de malas de passageiros da Fepasa, lembrava-me:

- Fui eu quem carregou as malas do senhor, quando chegou a Marília, lembra?

Lembrei-me. Fôra ele, o “seo” Gumercindo, o popular “Groselha”. O apelido advira-lhe do tipo sanguíneo acentuado e da tonalidade avermelhada da pele da face.

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O carregador fêz, sem o perceber, que eu fosse remexer na gaveta do esquecimento aquilo que representa um bazar de quinquilharias do passado.

O velho motorista Jordão conduzira-me até uma casa de madeira, que existia na Rua São Paulo, próximo ao Parque Infantil “Monteiro Lobato”.

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A lembrança passou a avolumar-se em minha mente, aumentando seguidamente como gente em um comício.

Era o último trimestre no ano de 1.945 e eu mal havia dado baixa no Exército, após cumprida minha participação na II Grande Guerra Mundial, como um pracinha da gloriosa Fôrça Expedicionária Brasileira.

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De fato:

Viera visitar familiares e conhecer a cidade, sem amigos, sem dinheiro, sem emprego.

E acabou acontecendo o que jamais havia sido programado: acabei por fixar-me definitivamente em Marília.

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Faz isso cêrca de trinta anos. Aqui acabei conseguindo emprego num estabelecimento bancário. O banco transferiu-me para Campos do Jordão e como eu já sentia imenso amor por Marília, recusei a transferência e promoção e deixei o emprego. Nessa época, o redator-secretário do “Correio”, insigne jornalista Luiz Francheschini, havia deixado o cargo, para transferir-se para a Capital. Em seu lugar, fôra contratado o professor Henrique Baptista Junior, que dia após, demitiu-se do jornal.

O então diretor do “Correio”, jornalista Raul Roque Araujo, convidou-me para trabalhar no primeiro jornal da Alta Paulista. Assumi a função de redator-secretário do “Correio”, em início de 1946.

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Acabei casando em Marília, constituindo família e cada vez mais gostando da cidade.

Se não passei fome, confesso que passei muitas dificuldades e muitas privações.

Mas estas foram insignificantes  ante o holocausto do acendrado amor e gratidão pela cidade. Mesmo tendo nascido num distrito de Bauru.

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Isso fêz-me lembrar a sessão camarária de ante-ontem, quinta-feira.

Senti até asco, pelo comportamento de alguns vereadores, que aqui tendo sido acolhidos, aqui tendo conseguido criar a família, fazer nome e ganhar o feijão-com-arroz de cada dia, serem tão injustos, tão ingratos e tão inimigos desta terra!

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Lembrei-me, também, de uma filosofia cabocla, emitida por um espanhol imigrante e analfabeto, meu pai:

- Há homens que são tão ingratos como o cão faminto, que morde a mão de quem lhe deu comida!

Extraído do Correio de Marília de 14 de setembro de 1974

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