Conversa de jornalistas (16 de outubro de 1974)


Dia outro, na Capital, palestrei casualmente com um jornalista paulistano, integrante do setor de reportagem geral de um grande diário de São Paulo.

Moço muito culto, detentor de um excelente diálogo, possuidor e um acurado dom de comunicatividade, contava-me haver se formado em jornalismo há quatro anos.

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No decurso da conversa, estabeleceu-se um paralelo entre os dois tipos de imprensa – do interior e da Capital. Ignorava ele, até então, diversos aspectos da imprensa cabocla, pobre, sacrificada e heróica da hinterlândia, em relação aos grandes jornais das Capitais e grandes cidades.

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Ficou admirado de muitos fatos que lhe narrei, acerca das atividades do profissional interiorano, onde o escriba do interior exerce uma espécie de “clínica geral” e onde os setores de especialização são poucos e dificeis – o que não acontece nas Capitais.

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Num grande jornal, para tudo existe especialização.

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No interior, tal não ocorre. No interior, já principiam a identificar-se especialistas, é bem verdade. Mas de modo geral e especialmente há algumas dezenas de anos passados, tal não acontecia.

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Ficou admirado quando dissera-lhe que o jornalista interiorano tem que ser muito eclético, pois uma série de fatores impede uma especialização segura.

No interior, quase sempre o escriba tem que ser “pau para toda obra”. Escreve sobre política, sobre polícia, sociedade, esportes, necrologia, religião e até editoriais, ou matérias redacionais opinativas.

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Para melhor fazer sentir ao jovem jornalista a configuração de imagens que lhe transmiti, acerca desse “modus operandi” do jornalista “terimbeiro” do interior, contei-lhe aquela piada do velho jornalista de um diário interiorano, jornal esse que havia contratado os serviços de um profissional recem-formado para a chefia de redação.

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Determinado jornal contrataria os serviços de um jovem profissional, recem formado em jornalismo para exercer a chefia de redação do mesmo. O novo jornalista, assim que assumiu, cismou de proceder “radical transformação” no diário. Foi logo mudando horários de fechamento do jornal e determinando prazos máximos para a entrega de originais, alterando o sistema de diagramação, que até então vinha sendo seguido e estabelecendo o processo de compilação prévia de pautas de trabalho.

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Um velho redator, que por vezes fazia quase sozinho o jornal e que há mais de trinta anos dedicava-se à profissão, foi quem menos gostou da “radical transformação”.

Entendia ele que o funcionamento do jornal deveria continuar como estava, porque “estava muito bom”.

Obedecia as ordens do novo chefe de redação a contra gosto, mas procurava ocultas os seus sentimentos.

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Na concepção do velho jornalista, o moço sabia muito de teoria, mas nunca havia “comido o pão que o diabo amassou” trabalhando num jornal. Pensava o velho que o jovem, com todos seus conhecimentos culturais, muito tempo iria demorar ainda para ganhar a competência eclética de sua “tarimba”, que o credenciava a escrever sobre tudo, sobre todos e sobre qualquer assunto. De fato, o velho “era fogo” na arte de escrever.

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Certa feita, ao dirigir-se para sua sala de chefia, o novo jornalista, ao passar pelo velho, que escrevia uma lauda, ordenou:

- “Seu” João, hoje é véspera de Natal. Escreva para a primeira página de amanhã, matéria de duas laudas num roteiro de 43 linhas, sobre Jesus Cristo. Não esqueça.

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O velho jornalista terminou a feitura do trabalho iniciado, apanhou nova folha de papel, que colocou na máquina. Levantou-se a seguir, dirigindo-se à sala do chefe e perguntou:

- Aquela matéria sobre Jesus Cristo, o senhor quer que eu escreva contra ou a favor?


Extraído do Correio de Marília de 16 de outubro de 1974

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