1934 ou 1935? (19 de maio de 1983)

1934 ou 1935, era o ano. Não consigo precisar muito bem, pois eu era criança ainda e o enfoque que aqui passarei a referir, não exercia sobre mim nenhum fascínio e nem tão pouco me motivava.

Visava-se eleger o Presidente do Estado de São Paulo – naquela época era Presidente e não Governador. Me parece que Júlio Prestes era o candidato forte. O outro, se não me falha a memoria, era o Campos Salles. Isso não importa, deixemo-lo para lá.

Os partidos eram dois. O PRP – Partido Republicano Paulista – e o Partido Constitucionalista, PC.

Os homens só falavam sobre as eleições. O eleitor, regra geral, era menos culto que o de hoje (1983). Isto, vale lembrar, que as eleições só poderiam ser bagunçadas e de péssimas escolas. O interesse era o mesmo de hoje: vantagens e empregos. Lembro que um amigo de meu pai, semianalfabeto, que nem siquer sabia o que é um comprimido de aspirina, que nenhuma noção tinha sobre farmácia, laboratório ou medicina, fôra nomeado pelo Governo, Chefe do Centro de Saúde.

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Meu tio Gabriel foi ter em minha casa, cedinho. Ele era doidinho por política e era lenista roxo. Eu não sabia o que era isso, mas ele conversava muito sobre comunismo, Lenis e Stalin. Sua pretensão era ser sub-delegado de polícia. O partido pelo qual se esbaldou perdeu as eleições e o sub-delegado de polícia nomeado foi um açougueiro. Recordo que esse fato o deixou muito irritado.

Como dizia, meu tio veio convidar-me para as eleições. Eu nada sabia de eleições. Só pensei na possibilidade de passear, de ir à cidade. Troquei de roupa incontinente, afundei o chapeuzinho velho na cabeça e acompanhei o tio, que para mim era um super homem. Meu primo Antônio estava junto e eu fiquei com inveja, porque ele usava um “pé-de-anjo” (espécie de tênis branco) e eu andava descalço.

Enquanto caminhávamos, o Antônio dizia que iríamos comer “comida de hotel” e beber guaraná e ainda chupar sorvete. Tudo por conta das eleições, dizia ele com ênfase. Aquilo me deliciava muito e me dava a sensação de antever um manjar dos deuses.

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Votava-se na Prefeitura. Só uma urna. Discutia-se sobre os candidatos ali mesmo e isso não era proibido. O voto, mesmo secreto, identificava-se. Quase todos os eleitores e cabos eleitorais ostentavam os distintivos dos partidos nas lapelas dos paletós.

Eu estava com fome. Seriam umas onze horas e no sítio o almoço era comumente por volta das 9. Ademais, a expectativa de almoçar “comida de hotel” me aguçava a voracidade do apetite.

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Finda a operação do voto, dirigimo-nos os três para o hotel, afim de almoçarmos. Eu não cabia em mim de contentamento.

Meu tio entregou as senhas da bóia e nos sentamos à mesa.

Veio o almoço: feijão, arroz, ovo frito, bife e sala de alface com tomate. E pão, coisa que eu dificilmente te tinha chance de saborear (no sítio a gente não tinha condições para comprar farinha e era só polenta ou mandioca assada no lugar do pão).

Saciei minha fome. Tomei guaraná, muito alegre, imensamente feliz, julgando-me importante. Para mim, naquele momento, as eleições eram a coisa dadivosa, suprema, majestosa.

A política era uma coisa muito boa – pensei.

E perguntei ao meu tio, todo contente:

- Tio, o que é política?

Ele olhou para mim, por certo tendo percebido que iria perder as eleições e respondeu irado:

- Política, política é uma M...

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Estava lendo pouco antes de escrever esta matéria, algo sobre os acordos e acertos entre o PDS e o PTB e então lembrei-me da explicação de meu tio Gabriel.

Por que será?


Extraído do Correio de Marília de 19 de maio de 1983

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